Publicado no Brasil de Fato
Em meio ao crescimento de vítimas fatais, as condições da rede pública de saúde dos cinco estados que concentram o maior número de casos do coronavírus no Brasil é crítica.
Com altas taxas de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para covid-19, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Amazonas podem rapidamente chegar ao limite máximo da capacidade de atendimento.
Isso significa que, nos próximos dias, a depender da curva de contaminação, pacientes que manifestarem os sintomas mais graves da doença respiratória podem não ter o socorro necessário, aumentando ainda mais o número.
As condições do sistema de saúde no Ceará e em Pernambuco, que estão respectivamente em terceiro e quarto lugar entre os estados com mais casos do coronavírus, são as mais graves.
Conforme boletim da secretaria de saúde pernambucana, por exemplo, a rede pública do estado teria, ao todo, 888 leitos para pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que incluem casos suspeitos e confirmados da covid-19.
A taxa atual de ocupação total é de 93%, e, para as UTIs, o índice chega a 99%. A superlotação acontece em um momento que o estado registra 9.881 casos confirmados e 803 óbitos.
As vagas destinadas para as vítimas do novo vírus foram abertas em unidades que já faziam parte da rede estadual e contratualizadas junto à rede privada.
Um hospital privado, localizado na zona sul do Recife e que se encontrava desativado desde 2018, foi requisitado administrativamente. Ao todo, a estrutura contará com 230 leitos, sendo 100 de UTI.
Com a alta demanda local, hospitais de campanha construídos em Recife pela prefeitura têm fortalecido o atendimento. Foram sete unidades construídas para tratar unicamente pacientes com coronavírus.
No total, são 107 leitos, sendo 27 de enfermarias e 80 de unidade de terapia intensiva (UTI) sendo que desses, 20 já estão equipados com respiradores e podem receber pacientes.
Já no Ceará, a taxa de ocupação de leitos de UTI para covid-19 gestionadas pelo governo era de 96% na região de Fortaleza e 93% em todo o estado, com o total de 11.470 pessoas infectadas pela covid-19 e 795 mortes, segundo informações divulgadas nesta terça-feira (5).
Fortaleza concentra o maior número de casos e mortes confirmadas, com 8.509 pessoas infectadas e 806 óbitos. A meta do governo estadual é abrir 100 leitos de UTI na capital até o final desta semana.
Segundo Raimundo José Arruda Bastos, ex-secretário de saúde do Ceará, “não há outra solução viável” para combater a pandemia se não o chamado lockdown, bloqueio total dos serviços não essenciais, para frear a curva de contaminação. A medida já foi adotada em municípios no Maranhão e no Pará.
Para ele, a principal demanda do estado, para além de ampliação dos leitos, é pelos respiradores.
Existem pessoas que estão falecendo nas UPAs e às vezes até em casa por falta dos respiradores. As duas semanas que vem agora serão de grande dificuldade. Se os respiradores prometidos pelo ministério não chegarem para que se transformem leitos de menor complexidade em leitos de maior complexidade, vamos ter grande dificuldade para internar as pessoas.
Questionado, o Ministério da Saúde informou que o Ceará foi contemplado com 20 respiradores no fim de semana, totalizando 75 equipamentos fornecidos ao estado pelo governo federal durante a crise. A pasta alega que desde o início da pandemia já distribuiu 487 respiradores pulmonares.
No Amazonas, localizado na região Norte, o cenário trágico se repete. Entre segunda e terça-feira, o estado registrou o maior número de casos e mortes pelo novo coronavírus confirmados em um único dia desde o início da pandemia.
De acordo com boletim epidemiológico da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM) foram contabilizados mais 867 casos e 65 óbitos em apenas 24 horas.
Agora, o estado totaliza 8.109 casos confirmados da doença e é o 5º com maior quantidade de pessoas contaminadas em todo país. O número de mortes chega a 649.
Em 23 de abril, quando os casos confirmados eram de 2,8 mil, a Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (Susam), informou que a taxa de ocupação de leitos de UTI havia chegou a 96%.
Com exponencial crescimento da curva de contaminação, José Bernardes, presidente do Conselho Regional de Medicina do Amazonas (Cremam), assegura que a lotação das UTIs para a covid-19 é de praticamente 100% no estado.
Quem entra na UTI teoricamente uma chance de 50% de sobrevida. Acontece que muitos deles não tem nem essa chance de entrar na UTI. Isso que é o pior. O indivíduo morre por não ter sido atendido na terapia intensiva.
O presidente do Cremam defende enfaticamente que a realidade do Amazonas é uma tragédia anunciada devido ao sucateamento do sistema de saúde nos últimos 8 anos. Na sua opinião, a pandemia agravou a situação fragilizada pela má gestão dos governos e pela subtração de recursos.
Segundo ele, além da falta de médicos intensivistas para lidar com os pacientes nesse momento, as populações que vivem os municípios do interior do estado e em regiões que necessitam de transporte fluvial estão completamente desassistidas durante a pandemia.
A capital Manaus, que teve imagens de seus cemitérios divulgadas mundialmente após a adoção de valas coletivas para enterrar vítimas da covid, concentra 4.804 casos do estado. O sistema funerário local também estar em em colapso, com estoque quase esgotado de caixões.
Análise feita pelo portal G1, constatou que o número de mortes em Manaus disparou desde o início da pandemia do novo coronavírus até o dia 25 de abril e está 108% acima da média histórica.
O estudo feito pelo epidemiologista Paulo Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados capturados do Portal da Transparência do Registro Civil, revela a subestimação das estatísticas oficiais.
Monitorando os índices entre os dias 21 e 28 de abril, a quantidade de mortes por síndromes respiratórias e causas indeterminadas no Amazonas aponta que o número de pessoas que morreu por covid-19 pode ser sete vezes maior do que o divulgado oficialmente.
Epicentro
Em São Paulo, estado com maior número de casos, são 34.053 pessoas infectadas e 2.851 mortes registradas. De acordo informações da secretaria de saúde do estado, a taxa de ocupação dos leitos de UTI reservados para atendimento à covid-19 era de 86,9% na Grande São Paulo nesta terça (5). Em nível municipal, a taxa de ocupação geral das UTIs era de 87%.
Em entrevista ao Brasil de Fato no início da semana, o médico infectologista Marcos Boulos, afirmou que o sistema deve chegar ao limite rapidamente.
Isso vai acontecer, porque o número em termos absolutos continua aumentando bastante. Provavelmente nós colapsaremos em termos de falta de leitos de UTI, principalmente. Isso vai acontecer e não deve demorar muito.
Na última sexta-feira (1), o prefeito Bruno Covas sancionou uma lei que estabelece um conjunto de medidas de proteção da saúde pública e de assistência social que visam o combate ao coronavírus. Entre as medidas está a autorização para requerer ao Sistema Único de Saúde (SUS) municipal leitos hospitalares da rede privada.
A medida já foi adotada por Camilo Santana, governador do Ceará, que adquiriu dois hospitais da rede de saúde privada para atender exclusivamente pacientes da covid-19.
A situação do Rio de Janeiro, segundo estado com mais casos, também é delicada. No início da semana, por exemplo, 98% das vagas de UTI para tratamento das vítimas do coronavírus estavam ocupadas.
Na capital, não havia mais leitos na unidades municipais, enquanto 399 pacientes com sintomas ou confirmados aguardavam vagas para transferência.
São 12.391 casos confirmados e 1.123 óbitos por coronavírus em todo o estado. A taxa de ocupação em leitos de UTI é de 84% nesta quarta-feira (6).
Na avaliação de Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Janeiro (Sinmed/RJ), o sistema de saúde já entrou em colapso.
A rede pública não tem mais capacidade para receber as pessoas. Vivemos um atraso na entrega dos hospitais de campanha prometidos pelo estado. O hospital de campanha aberto no Leblon tem poucos leitos, o do Maracanã nem sequer foi aberto. Enquanto o poder público está na letargia, com dificuldade de abrir essas unidades, as pessoas estão morrendo.
O hospital de campanha Lagoa-Barra, no Leblon, citado pelo entrevistado, foi inaugurado em 25 de abril com 30 leitos, sendo 10 de UTI e 20 de enfermaria.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Secretaria de Saúde afirmou que atualmente a unidade oferece 100 leitos e que, em pleno funcionamento, contará com o dobro da capacidade. A inauguração do hospital de campanha do Maracanã está prevista ainda para essa semana.
Médico de Família e Comunidade, Telles também alerta que há uma grave vacância de profissionais nas unidades de saúde como um todo, mas principalmente na rede de atenção primária, que atende os casos leves, além da superlotação das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs).
Segundo ele, a UPA de Ilha do Governador, por exemplo, apesar da capacidade para atender 20 pessoas, tem 70 pacientes internados.
A falta de contratação e realização de concursos pelo governo federal para unidades de saúde de seu gerenciamento no Rio de Janeiro, como o Hospital Federal de Bonsucesso, Hospital Federal de Ipanema, Hospital Federal de Andaraí, da Lagoa e Hospital Federal Cardoso Fontes, entre outros, também são citadas pelo médico como um fator que têm agravado a crise sanitária no estado.
Justamente por falta de recursos humanos, conforme afirma o presidente do Sindmed, vagas de UTI nesses hospitais não estão disponíveis.
“É direito do cidadão ter acesso ao SUS e esse acesso tem sido negado pela falta de leitos e pela demora do poder público em ativar leitos inativos. Temos mais de mil leitos inativos na rede federal do RJ. É uma falta de compromisso e falta de sensibilidade”, denuncia Telles.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou apenas que “já está em andamento o processo de renovação dos profissionais de saúde para atendimento dos hospitais e institutos federais do Rio de Janeiro.”
O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Janeiro (Sinmed/RJ) denuncia ainda a falta de equipamento de proteção individual para os profissionais de saúde e a contratação emergencial na modalidade (PJ). “Caso se infectem, não terão direito trabalhista algum. Os profissionais que estão na linha de frente estão desamparados nesse momento.”