Mandata Ativista remove Codeputada por suposta transfobia

Atualizado em 3 de fevereiro de 2021 às 15:59
Mandata Ativista remove Raquel Marques do cargo de codeputada após post sobre transfobia. Foto: Reprodução/Facebook

A Mandata Ativista publicou a seguinte nota pública no Facebook:

Somos um mandato coletivo, diverso e plural. Nos organizamos em 2018 em torno de um projeto ousado e que se tornou referência no País. Em 2020 diversos setores historicamente marginalizados pela política e não representados no parlamento apoderaram-se coletivamente e venceram eleições municipais.

Mulheres, Negros e Negras, LGBT’s, periféricos e indígenas passaram a ocupar espaço na política institucional. Espaço historicamente negado. Erika Hilton, nossa codeputada se tornou a mulher mais votada da capital paulista, com mais de 50 mil votos, nos orgulha. É parte de nossa história e está em nosso horizonte tornar a política menos embranquecida, menos elitista e menos transfóbica.

Construir um Mandato de forma coletiva não é tarefa fácil. Ao longo desses dois anos enfrentamos diversas dificuldades e divergências, mas isso é parte do processo de ousar fazer o novo. As divergências engrandecem as experiências coletivas. Sem elas, não há essa experiência de fato.

Mas ao passo que as divergências são fundamentais para esse processo, os acordos também o são. A Mandata Ativista existe por eles. Ativistas e lutadores de diversas causas que lutam contra as opressões e a desigualdade social que vivemos e nos massacra, destrói os animais e o meio ambiente e mata nossos jovens.

Raquel Marques, uma das codeputadas da Mandata Ativista, no último dia 29, dia da visibilidade Trans, fez uma postagem compreendida como um ataque à luta das LGBTs e assim viola nossos princípios éticos apontando como opostas as lutas pelo cuidado das crianças e pela vida das pessoas trans. Além disso, outra postagem, seguida de comentário irresponsáveis e caluniadoras ao jogar famílias e professores uns contra os outros em um momento de sofrimento social terrível.

A primeira postagem foi apagada, mas isso não apaga a negação de nosso projeto e de nossos princípios.Somos contrários a política assassinato e marginalização das pessoas trans e também encaramos como nosso dever, enquanto mandato de deputado estadual denunciar e investigar a política genocida de Dória e o PSDB em SP nesses 25 anos de governo do partido que na educação é catastrófica para professores, estudantes e comunidade.

Mais de 149 mil pessoas votaram em um projeto emancipador e depois votaram em Erika Hilton. Seremos responsáveis com nosso projeto, com nossos eleitores e com quem luta para que o Brasil não siga estampando jornais como o País que mais mata LGBT’s no mundo.

Raquel Marques, a partir dessa data, não é mais codeputada da Mandata Ativista.

Em tempos em que nossas ativistas trans eleitas Erika Hilton, Carolina Iara e Samara Sosthenes são ameaçadas, a responsabilidade e seriedade das palavras aumenta ainda mais e não será admitido polêmicas das nossas fileiras. Em tempos em que o Secretário da Educação coloca os professores como inimigos da população, é necessário defender os trabalhadores da educação.

Seguimos em Luta, contra a desigualdade, as opressões e a violência”.

Raquel Marques se manifestou na mesma rede social:

Recebi, com espanto, nesta tarde, uma nota da Mandata Ativista, mandato da Bancada Ativista, que integro como codeputada estadual democraticamente eleita desde 2019, informando que fui sumariamente desligada do nosso mandato sem nenhum procedimento ou direito à defesa.

A justificativa chocante foram dois posts onde eu defendia a importância dos direitos das crianças e adolescentes que teve o seu significado distorcido para acusar a mim, uma mulher LGBTQ+, de transfobia.

Meus colegas codeputados, a partir de uma decisão coletiva sem a minha participação (formato de decisão que nunca foi contemplado em nosso mandato) em um momento que eu estava afastada por razões médicas, me condenaram de forma oportuna sem que eu pudesse participar deste debate e desta decisão.

Eles sabem muito bem que jamais tive esta intenção nas minhas postagens, uma vez que elas atentam contra a minha história, a minha militância e a tudo que defendo. Esse fato é resultado de um processo de erosão da democracia que um dia sonhamos dentro deste mandato coletivo, em um projeto de poder que tem sido colocado em prática desde nossa posse por uma das correntes de dentro do PSOL a qual codeputados do mandato participam.

Nos posts, teço críticas ao fato de que acredito que o campo da esquerda tem olhado com pouca atenção às nossas crianças e adolescentes, que estão sendo negligenciadas de sua educação pela forma como tem se discutido a iminente reabertura das escolas nesse período de pandemia.

Sou uma mulher bissexual, ativista feminista há 20 anos, fundadora e presidente da ONG Artemis, a primeira ONG brasileira dedicada a combater a violência obstétrica, portanto, a luta pelos direitos humanos sempre foi o que defendi.

É absurda a acusação feita pela titular do mandato e é lamentável que um mandato que se apresenta como defensor da democracia, do diálogo e da coletividade recorra a métodos tão autoritários por um projeto de poder.

Raquel Marques – codeputada estadual pela Mandata Ativista”.

E a Bancada Ativista postou o seguinte:

Ontem, a Mandata Ativista tomou a decisão de remover do mandato uma das codeputadas eleitas, a Raquel Marques.

Nós, do movimento Bancada Ativista, recebemos a notícia com surpresa, dado que há mais de um ano o movimento não participa de nenhuma decisão do mandato.

A Mandata Ativista é o mandato coletivo eleito com apoio do movimento Bancada Ativista em 2018 para a Assembleia Legislativa de SP. Ainda em 2019, a Mandata Ativista e o movimento Bancada Ativista se tornaram independentes, por entender que era importante que cada um dos grupos tivesse autonomia nas suas tomadas de decisão – a Mandata decidindo sobre os rumos da ação política na ALESP, e a Bancada seguindo sua trajetória de eleger ativistas progressistas para o legislativo.

Afirmar que mandata e movimento são coisas distintas não nos isenta de responsabilidade pelo ambiente muitas vezes conflituoso da Mandata, que chegou a esse extremo.

Fomos nós, do movimento, que convidamos a Anne, a Chirley, a Claudia, a Erika, o Fernando, o Jesus, a Monica, a Paula e a Raquel e nos unimos para construir uma candidatura coletiva, inovadora e cheia de potência para disputar uma cadeira na ALESP. Uma construção que teve o surpreendente resultado de 149.844 votos, espalhados por 90% dos municípios de São Paulo, sendo a 10ª mais votada no estado.

Uma candidatura que ajudou a dar esperança e inspiração para que diversos coletivos e grupos lançassem cerca de 400 candidaturas coletivas em 2020, dentre as quais mais de 20 foram eleitas.

Se nas eleições houve uma potência enorme, quando chegou o mandato, os desafios se mostraram enormes também.

O desafio de ter 9 codeputadas de corpos, origens, lutas e partidos distintos juntas no mesmo gabinete não é pequeno. No nosso entendimento, isso era uma forma de mostrar que, sim, é possível fazer política com diversidade e pluralidade. Que é possível discordar e permanecer. Que o campo progressista pode e deve se unir no contexto que estamos vivendo.

Na prática, o que vimos é que é grande a dificuldade de entendimento mútuo e construção de pontes entre lutas e trajetórias distintas pode levar a um ambiente insustentável. Todos os envolvidos e envolvidas no processo, inclusive nós, tivemos atitudes que mais atrapalharam do que ajudaram em ocasiões diversas. Superar essa barreira deveria ser a principal prioridade de todas as pessoas que compõem um mandato coletivo.

Sobre a remoção da Raquel, o nosso posicionamento aqui é direcionado a vocês: apoiadores e eleitores que colocaram sua confiança no movimento Bancada Ativista e que também foram pegos de surpresa.

Você, que deu sua confiança para a Bancada Ativista e votou na candidatura coletiva, tem toda razão de se sentir indignada e indignado por essa decisão. Uma decisão tão séria, feita da forma como foi, sem nem envolver a participação da Raquel na reunião de tomada de decisão, não segue o que foi apresentado nas eleições de 2018. No nosso entender, o primeiro passo para um processo como esse seria ocorrer de forma transparente.

Você, que entendeu que Raquel publicou posicionamentos transfóbicos, também tem razões para ficar indignada e indignado e questionar sua permanência na mandata. Ao nosso ver, deveríamos sempre tomar cuidado para não construir uma ideia de competição, mas sim de colaboração, entre diferentes lutas progressistas. Essa era a aposta inicial da Bancada Ativista, que todos nós, integrantes e eleitores, fizemos.

Nós, que assim como vocês, não participamos dessa decisão, achamos de absoluta relevância que todos os fatos e posições sejam trazidos de forma objetiva para o conhecimento público, para que todas e todos nós, cidadãs e cidadãos, eleitoras e eleitores, possamos entender o que aconteceu e aprender com o acontecido, através de um debate amplo, de qualidade, com transparência e ponderação. Hoje, da forma como a decisão se deu, isso não ocorreu.

Os preceitos de transparência, participação e pedagogização sempre foram centrais e explícitos, desde o início da Bancada Ativista em 2016, assim como no momento em que cada codeputada da Mandata embarcou na construção.

Ao mesmo tempo, nós gostaríamos de ressaltar que acreditamos na potência de construção de cada um das codeputadas e codeputados, e que mesmo que a situação tenha chegado a esse ponto, nós sabemos como cada um deles fez e faz uma luta diária pelos mais oprimidos na sociedade, atuando arduamente na ALESP e nas ruas para que o estado de São Paulo seja mais inclusivo, menos desigual e mais justo.

Por fim, a todos os que veem na Bancada Ativista uma inspiração: nós seguimos acreditando e defendendo com todas as nossas forças o modelo de mandatos coletivos.

Foi através deste modelo que ativistas potentes conseguiram superar as barreiras de entrada para a política institucional, fazendo com que a primeira mulher indígena, a Chirley Pankará, estivesse presente e com poder real dentro da ALESP; com que as mães e defensores da primeira infância tivessem presença e fizessem uma luta aguerrida naquela espaço, através da Raquel e da Anne; com que a potência da Erika Hilton ocupasse aquele espaço e alçasse voo para ser a vereadora mais votada da história do país – por seu mérito e potência; com que pessoas negras, periféricas, ambientalistas, mães, professores conseguissem o que lhes é de direito – ocupar espaços de poder e formular políticas públicas a partir de suas vivências.

Que esse exemplo e tudo o que foi conquistado fale mais alto que os nossos desafios de construir uma coletividade mais consistente. Nosso foco foi mostrar que o modelo de candidatura coletiva é uma inovação potente para ocupar a política com outras ideias e outros corpos, mas ficou claro que os desafios de gestão de um mandato coletivo são ainda maiores do que prevíamos.

Que este episódio sirva para que todas as experiências de candidaturas e mandatos coletivos consigam evitar os erros cometidos. Que aprendamos com a experiência que confiança é mais importante que protagonismo, que diálogo é mais importante que ambição, que respeito é mais importante que poder. E que o modelo de mandatos coletivos siga servindo para que a política seja mais a cara do povo, com a potência já evidente dos mais de 20 eleitos pelo país”.