Estou infectado pelo coronavírus, segundo os médicos da UBS Prof Milton Santos e do hospital Emílio Ribas. Mas não estou na contabilidade dos casos confirmados.
É que o protocolo adotado pelo Ministério da Saúde é o de fazer testes apenas nos profissionais da saúde, nos casos graves de internados e em óbitos.
Se sua condição não for de quase morte, leitor, você será aconselhado a voltar para casa e não constará das estatísticas.
O leitor talvez esteja se perguntando: “E o teste?” Não tem. Não chegou. A “ordem” é não fazer, como deixou escapar a pessoa da triagem.
Nos quadros respiratórios muito graves é que se utiliza a técnica PCR (que coleta material como muco ou catarro) e envia-se para o Instituto Adolf Lutz. O resultado pode levar 15 dias para sair.
Esse “protocolo” tem um efeito. Um estudo da London School of Hygiene and Tropical Medicine divulgado no domingo estimou que o Brasil detecta 11% dos casos de Covid-19.
Olhando pelo outro lado: 89% das pessoas que apresentam sintomas da doença ficam fora dos registros.
Façamos então as contas tendo como referência o número divulgado ontem de 3.417 casos confirmados. Significa que devemos ter algo como 27.646 casos não registrados.
Mas importante lembrar: boa parte desses números podem retratar até 15 dias atrás. Os números reais hoje, sabe-se lá o quanto alcançam.
Testar toda a população sabe-se ser difícil, mas testar o máximo possível de pessoas é que tem demonstrado imenso sucesso no avanço da epidemia. É o que faz a Coréia do Sul, por exemplo. Lá identifica-se, em média, 83% dos casos.
O Brasil está adotando protocolo que não auxilia o combate na transmissão, já que a imensa maioria volta para casa com um diagnóstico do tipo “acho que sim, mas também pode ser que não”.
Se a pasta da Saúde estabelece essas medidas, que terminam por sugerir números bem inferiores aos da realidade, um ignorante boçal e criminoso como Bolsonaro se vê em condições de minimizar a gravidade da situação e orientar que as pessoas voltem para as ruas.
O que faz o ministro Luiz Henrique Mandetta?
Em um mundo normal, logo após o pronunciamento de Bolsonaro – que desdisse tudo o que Mandetta vinha recomendando – o ministro da Saúde deveria pegar o chapéu e se retirar. Ou colocar a boca no trombone.
Não há como duas pessoas estarem em um barco e cada uma remar para lados opostos.
A atitude de Mandetta revela quem ele é e com o que de fato está preocupado.
Colocado sob os holofotes devido o tema pandemia, Mandetta logo ganhou fama de “competente”, “técnico”, “uma luz no meio das trevas”.
Bullshit.
Antes de mais nada, qualquer criatura que saiba a tabuada do 3 fica mesmo parecendo um gênio em comparação a Bolsonaro. Então isso não vale.
Depois, essa percepção se deve ao fato de que, durante o primeiro ano biroliro, Mandetta foi um completo anônimo. As outras catástrofes aumentadas pelo desgoverno tinham relação com meio ambiente e educação.
Chegada a vez de Mandetta aparecer, muita gente se surpreendeu. “Ora vejam, tem um cara lá que consegue encadear as frases de modo a fazer sentido! Puxa, estamos salvos!”
Balela.
Ele é político, não é técnico coisa alguma.
Mandetta foi contra o Mais Médicos desde a primeira hora. Portanto, muito do que enfrentaremos é também de responsabilidade dele.
Quando Dilma Rousseff autorizou demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul (estado de Mandetta), o então deputado saiu em defesa do agronegócio e discursou contra Dilma que estaria “prejudicando a economia”.
Dado o paralelo com a postura atual, só este último exemplo já deveria bastar para retratar o caráter de Mandetta.
Ainda que formado em medicina, ele atua como político há mais de 15 anos e defende causas que não tem nada de “técnicas” na área da saúde.
Mandetta vota contra o aborto, foi contra a interrupção de gravidez para fetos com zika, sobe nas tribunas para discursar pela “família” e contra o divórcio.
Que técnico, hein.
Pressionado por todos que cobraram coerência com o que vinha declarando em termos de isolamento social frente ao desatino do chefe genocida, Mandetta estressou na reunião da última quinta-feira com secretários da Saúde e houve bate-boca.
Seu discurso já estava transformado e ele não voltará atrás.
Luiz Henrique Mandetta é o tipo de homem que, quando perguntado pelo chefe: “Qual a sua opinião?”, ele responde com: “Que opinião o senhor quer que eu tenha?”
Não faltam exemplos de outros países que menosprezaram a gravidade da pandemia e estão pagando caro por isso. Mandetta está sendo conivente com a irresponsabilidade.
Estamos nas mãos de pessoas horríveis. Que o universo conspire a nosso favor.