Em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, o ex-ministro da Fazenda e economista Guido Mantega comentou sobre a relação do presidente recém eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central (BC). Para Guido, que desde de 1990 é conselheiro econômico de Lula, o que Campos Neto esta tentando fazer agora soa como uma tentativa de “pressionar o governo federal à aceitar uma política fiscal que o mercado quer”:
(…) O que houve para Lula ficar tão irritado com o presidente do Banco Central, inclusive se referindo a Campos Neto como “aquele cidadão”?
A irritação tem fundamento. Lula sempre foi sensato. Perdeu as estribeiras porque ficou nervoso com a situação. Ele está vendo onde vai dar. O presidente Lula assumiu o compromisso de estabelecer um novo pacto social, para termos um país crescendo, distribuindo renda, e também com aumento dos investimentos e dos lucros. A política monetária, como está, atrapalha esse crescimento. (…)
Mas tivemos apenas um mês de governo, uma única reunião do Copom. Já dá para ficar irritado?
Veja, ele está preocupado porque as decisões do Banco Central têm um efeito de longo prazo. Tivemos uma redução da inflação. Foi de de 10% para 8,8%, apesar de o governo Bolsonaro ter injetado R$ 300 bilhões na economia. O governo retirou os tributos, e os preços das commodities também cederam. A inflação caiu por isso, não por causa desse elevada taxa de juros. Estamos começando o ano com queda de crescimento e no emprego. Não e um cenário, digamos, alvissareiro, e aí o Banco Central diz que vai manter a taxa de juros em 13,75%. (…)
O que foi considerado agressivo no comunicado?
Sinalizar que manteria essa taxa alta por muito tempo porque a política fiscal poderia ser expansionista. Acho que é arrogância do Banco Central dizer ‘se você não fizer a política fiscal que acho adequada, vou manter os juros altos’. Um sujeito que não foi eleito, simplesmente foi nomeado, pode falar grosso com o presidente?
O Banco Central é independente, mas não pode ser utilizando como instrumento de pressão e ficar alheio ao que o governo está fazendo e esperando da economia. E as contas do setor financeiro estão erradas e criaram a expectativa autorrealizada de que os juros futuros vão subir. E subiram. Estão fazendo uma espécie de terrorismo. O Banco Central está sintonizado com o mercado financeiro, que está forçando uma situação. (…)
A Fazenda já tem inúmeras propostas de mudança da regra fiscal, mas o ministro disse que primeiro apresentaria o pacote de aumento de receita e a reforma tributária, deixando a discussão do novo arcabouço para depois. Se a ordem tivesse sido outra, talvez a conversa agora com o BC não estaria sendo diferente?
Foi apresentada e aprovada uma PEC prevendo R$ 167 bilhões para este ano. A situação fiscal está definida. Sabemos qual vai ser o gasto acima do teto, que é abaixo dos R$ 300 bilhões que gastou o Bolsonaro. Haddad está dizendo que vai reduzir o déficit do ano em 1%. Nada indica que o governo será irresponsável. A economia está desacelerando e a trajetória da inflação é de queda.
Por que a gente vai achar que isso é inflacionário? Por que as expectativas se moveram? Desculpe, isso é previsão técnica malfeita. (…)
A história recente conta outra trajetória, não? Esse mesmo Banco Central do Campos Neto baixou os juros a 2%.
E estava correto quando fez isso. Acho até que baixou demais. Podia ter ido a 5%. Mas ali ele foi ousado, porque o mundo entrou em crise e isso ajudou a economia a se recuperar, mas depois ele mudou de comportamento, não sei por que, e agora isso está sendo usado para obrigar o governo a fazer a política fiscal que o mercado quer. E o Banco Central entrou nessa. Banco Central tem que ter independência não apenas em relação ao governo, mas também em relação ao mercado financeiro.
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