PUBLICADO NO PORTAL RFI
POR ADRIANA BRANDÃO
Manuela D’Ávila, ex-deputada federal pelo PC do B e candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad na eleição de 2018, faz neste momento um giro europeu. Ela começou sua viagem por Lyon, onde participou do evento European Lab, falando de mulheres, resistência e do governo Bolsonaro. Nesta quarta-feira (5), Manuela D’Ávila participa de um debate em Paris. Antes, ela concedeu uma entrevista exclusiva à RFI.
A ex-deputada federal do PC do B fala da necessidade da união da esquerda, mas também que é preciso dialogar com outros setores, para se defender a democracia no Brasil e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do país. “A vitalidade da democracia é essencial para barrar as medidas apresentadas por Bolsonaro,” afirma. Manuela D’Ávila diz que a esquerda quer voltar ao poder, mas para isso ela tem que construir uma maioria. Ela também ressalta as contradições das democracias liberais, entre defesa dos direitos humanos e a agenda econômica. “O que acontece no Brasil é muito grave. Não é uma questão de esquerda ou direita. É uma ameaça ao povo brasileiro, é uma ameaça a quem pensa diferente.”
Da França, Manuela D’Ávila segue para Madri, onde faz duas palestas na quinta (6) e sexta-feira (7).
Leia a entrevista completa.
-Você participou no European Lab, que é um evento que discute o futuro da cultura, em Lyon, no sudeste da França, na segunda-feira (3). Ela falou ao lado da filósofa Marcia Tiburi. Como foi essa primeira troca com o público francês?
Mesmo que haja muito interesse dos europeus e dos brasileiros que vivem fora do Brasil em debater a situação brasileira, eu havia decidido não sair do Brasil e fazer um giro para lançar meu livro “Revolução Laura”. O Brasil é muito grande e nós levamos quase três meses para viajar 20 estados do país lançando o livro e fazendo esses encontros sobre a realidade brasileira.
Fiquei muito satisfeita de chegar a Lyon. Foi o evento com o maior número de inscritos do European Lab, para mim foi uma surpresa. Eu fico satisfeita porque percebi que o Brasil atrai os olhares dos europeus, que buscam respostas para impedir que a extrema direita cresça, para que possa se apresentar como saída eleitoral na Europa. Os brasileiros buscam formas de contribuir para que o Brasil enfrente e estabeleça parâmetros mais avançados de democracia.
-Qual é hoje a prioridade da luta no Brasil?
O governo Bolsonaro é um governo de absurdos. Existem muitas lutas importantes. De um lado, a Reforma da Previdência; de outro a liberação de armas, a luta dos povos indígenas, quilombolas, das comunidades originárias ganha muita força, tem muita dimensão internacional. A luta educacional contra os cortes e em defesa da educação pública e da ciência nacional tem sido a mais numerosa, com mais apelo social. Mas para mim, nós precisamos fazer que todas essas lutas encontrem convergência na defesa da democracia e contra o fascismo.
O que nós vivemos no Brasil é muito sério, muito grave. Nós temos um presidente que faz uso crescente de violência política, um presidente que, a partir de seu discurso, autoriza essa tensão política crescente que existe na sociedade. A vitalidade da democracia brasileira é essencial para que nós possamos barrar as outras medidas apresentadas por Bolsonaro.
-Após os atos pela educação, haverá a greve geral em 14 de junho contra a reforma da Previdência. Esses protestos podem unir a esquerda brasileira?
Esses atos têm unido a esquerda e tem unido um setor mais amplo que a esquerda. Para mim isso é importante porque seria um grande equívoco a esquerda acreditar que a defesa da democracia e do Brasil é só dela.
É preciso dialogar com quem não votou na nossa candidatura, e com aqueles que não foram às urnas, que representam quase um terço do povo brasileiro. É preciso dialogar mesmo com os que votaram em Jair Bolsonaro, porque nós não podemos nos resignar com o discurso radicalizado de enfrentamento ao governo.
Nós queremos voltar a governar o Brasil e para isso é preciso construir maioria. Para impor derrotas ao governo, é preciso contruir maioria. O recado que a população nos deu nos dias 15 e 30 de maio é que a amplitude e a unidade são imprescindíveis para que o povo esteja ao nosso lado na defesa do Brasil e dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.
-E a luta “Lula livre”?
A luta “Lula livre” é central. E a centralidade dela não se deu pela simples denúncia da prisão política do presidente Lula que agora, com a nomeação de Sérgio Moro como ministro de Bolsonaro ficou explícita ao mundo inteiro. Nós sempre lutamos pela liberdade de Lula porque reconhecemos a fraude no seu processo e porque sempre compreendemos que a luta por sua liberdade é a luta pela democracia brasileira. Porém, é preciso compreender que nós não podemos ter ao nosso lado só aqueles que pensam exatamente igual a nós. Se queremos ter uma luta mais ampla, como me parece ser a luta educacional, essa luta terá aqueles que defendem a liberdade de Lula, mas também terá aqueles que não a defendem. É importante que saibamos que aqueles que lutam pela democracia, mas não defendam a liberdade de Lula, indiretamente estão ajudando a construí-la, porque um país democrático não mantém um preso político.
-Aqui na Europa você também fala sobre o seu livro “Revolução Laura”, lançado no início do ano e que já está na segunda edição, com reflexões sobre maternidade e resistência. Você esperava um sucesso tão grande?
Não esperava. Para mim é motivo de grande alegria. Por várias razões. Primeiro, eu não imaginava que viveria a maternidade com a Laura durante um processo eleitoral como eu vivi. Foi uma construção que foi se dando a partir de realidade concreta do Brasil. A Laura, que tem três anos hoje, tinha dois anos quando fui candidata a presidente pelo Partido Comunista do Brasil e, depois, a vice de Fernando Haddad. E criei condições para que ela viajasse eventualmente comigo.
Quando acabou a eleição, fui provocada por uma amiga, que é editora, que perguntou se eu achava que essa experiência se repetiria. Ela me fez ver o quão política essa experiência havia sido diante de um Brasil com tanto ódio, com tanta violência política. Acho que também por isso o livro faz tanto sucesso. Ele é um “diário” sobre a minha maternidade que é única, que eu não pretendo que seja generalizada, mas ele é também um depoimento sobre o quão acolhedor e generoso o nosso povo pode ser, mesmo diante de um ambiente de tanto ódio como eu vivi nas eleições de 2018.
Nós fazemos grandes batalhas, as disputas de um modelo de desenvolvimento econômico, de relações no mundo… mas nós fazemos também pequenas batalhas, cotidianas. Talvez a batalha mais importante que eu tenha feito foi mostrar que o amor é mais forte que o ódio. E o livro fala sobre isso.
-Como está sendo o combate contra as fake news e as redes de ódio, que te visam pessoal e constantemente?
Depois que acabou a eleição, eu construi com outros amigos uma ONG, que se chama “E se fosse você”. Nós criamos esse instituto justamente por identificar que a sociedade e o mundo da política têm trabalhado muito pouco, ou de forma muito superficial, com o que representam as fake news dentro do processo eleitoral brasileiro e dentro das democracias modernas. Acho que nós tratamos isso com se fosse algo periférico e não como algo central que estrutura as vitórias da extrema direita no mundo.
É preciso falar sobre isso e sobre quais são os mecanismos que nós podemos criar para resistir a isso. Eu acredito que para além do debate nos países sobre a legislação, existe um debate que nós poderíamos chamar de cidadania virtual, de conscientização das pessoas sobre o seu papel no compartilhamento e na credibilidade das notícias que circulam na internet.
-Ao contrário do ex-deputado Jean Wyllys e da escritora Marcia Tiburi, que preferiram se exilar diante de tantas ameaças, você permanece no Brasil…
Eu não acho que trata-se de preferir. Cada um de nós tem condições muito objetivas e individuais e reage de forma única ao que nós estamos vivendo no Brasil. Em primeiríssimo lugar, eu não vivo no estado do Rio de Janeiro que é fraturado hoje pelo papel das milícias. A execução de Marielle Franco e a incapacidade do estado brasileiro de publicizar a solução desse crime político faz com que qualquer ator político que vive naquele estado possa se sentir permanentemente ameaçado.
Acho também, e escrevo muito isso no livro, que o fato de ter uma filha de três anos me salva. Eu sou obrigada a vibrar na frequência de uma criança de três anos. Nos piores momentos, quando eu recebo mais ameaças, eu chego em casa e tem uma criança que altera a minha frequência.
Acho que existe muita legitimidade na decisão da Márcia, do Jean, e de outros que virão porque seja pelo medo real das milícias, seja pela autorização de violência, ninguém é obrigada a viver num país como eu vivo e se acostumar a ser chamada de “puta” em toda esquina.
-Você diz viver aqui na Europa um sentimento novo, o de andar na rua sem medo de ser atacada…
Não é novo, é o que eu vivia antes no Brasil. Todos os brasileiros têm medo da violência. Todos os brasileiros quando têm a possibilidade de sair do país para passear ou para trabalhar, sentem a sensação prazerosa que é poder tomar um ônibus e sair de noite caminhado sem o pânico de tomar um tiro ou de ser assaltado. Não é a isso que eu me refiro. Mas poder olhar para as outras pessoas sem achar que elas estão me olhando para me agredir fisicamente ou à minha filha, como fazem. Isso é algo que grita porque torna mais claro a tensão que é ser um de nós no Brasil. Isso é o que presidente Bolsonaro estimula e a gente precisa falar mais.
Precisamos falar que existe a violência real do Estado brasileiro e existe esse ambiente de tortura psicológica permanente com quem pensa diferente do presidente da República que é automaticamente decretado um inimigo, um alvo a ser perseguido e exterminado.
-A militância de esquerda no exterior, multiplica ações e eventos para denunciar os retrocessos do governo Bolsonaro e pela liberdade do presidente Lula. Para você, as democracias liberais, como a França, deveriam ter um posicionamento mais claro sobre o governo Bolsonaro?
Essa é uma contradição dos liberais no Brasil e aqui. A agenda econômica, ou as saídas para a crise apontadas por Bolsonaro ou pela extrema direita muitas vezes são muito parecidas com as agenda dos liberais. E essa é uma contradição que eles precisam explicar: como cabe no mesmo mundo um homem que abertamente é um militante contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e essa agenda econômica? Qual é o valor mais importante? A democracia ou a pauta econômica? Essa é uma equação que não é fácil de ser solucionada por eles.
Para mim, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Acho que o mundo precisa entender que o que acontece no Brasil é muito grave. Não é uma questão de esquerda ou direita. É uma ameaça ao povo brasileiro, uma ameaça a quem pensa diferente.