Marcado para morrer, Padre Amaro resiste na luta pelo direito à terra no Pará. Por Juca Guimarães

Atualizado em 13 de dezembro de 2018 às 15:38
O Padre Amaro ficou 90 dias preso no Pará.

Publicado originalmente no Brasil de Fato

POR JUCA GUIMARÃES

No Brasil, um homem está marcado para morrer porque acredita nos ideais de igualdade, amor e respeito entre as pessoas. Por esses motivos, Padre Amaro ficou preso mais de 90 dias e vive sob ameaça de assassinato na região de Anapu, no Pará, no médio Xingu, região Norte do Brasil.

Padre José Amaro Lopes de Souza é um religioso que defende a divisão das terras para a agricultura familiar e a preservação das florestas como um contraponto ao processo exploratório dos grandes latifúndios de plantação de soja e de pasto para o gado, produzindo apenas para a exportação e o aumento das fortunas dos fazendeiros, como explica o próprio Padre.

Desde meados dos anos 1990, quando conheceu a missionária americana Dorothy Stang, uma das principais lideranças da luta pela terra para os camponeses e a preservação da floresta, padre Amaro atua na Comissão Pastoral da Terra (CPT) em um conflito constante com fazendeiros e madeireiros. Dorothy, foi assassinada no dia 12 de fevereiro de 2005 aos 73 anos com seis tiros disparados por pistoleiros contratados por fazendeiros da região. Sua cabeça valia R$ 50 mil na época; a de Amaro R$ 25 mil.

Em 2018, padre Amaro foi acusado e preso num processo considerado controverso. A denúncia contra o padre foi feita por fazendeiros da região, e é considerada por muitos uma perseguição política para impedir a luta pela reforma agrária no município em que atua. Padre Amaro foi declarado inimigo de fazendeiros e madeireiros por ser uma das maiores liderança na luta pela terra em Anapu.

O religioso ficou em uma pequena cela no presídio de Altamira, entre 27 de março e 29 de julho. Mesmo atrás das grades, as ameaças continuaram e, segundo o padre, os latifundiários estavam esperando o pretexto de uma rebelião na cadeia para encomendar a sua morte.

Neste período, dois habeas corpus foram negados pela Justiça do Estado e o religioso só foi solto, como medida provisória, quando o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Enquanto estava preso, padre Amaro viu em uma pequena televisão as notícias da prisão do ex-presidente Lula, no dia 7 de abril, também sem provas. “Eu chorei. Eu sabia que era uma liderança popular sendo presa, dentro do esquema do golpe, para que não pudesse concorrer às eleições presidenciais”, relembra o padre.

Nos 13 anos entre a morte da missionária e a prisão do padre sem provas, o conflito por terra no Pará agravou. “A ordem é limpar tudo. Queimar e passar por cima de tudo, plantação, escola e pessoas”, disse.

Neste cenário, que tem a tendência de piorar com a ultra-direita no governo federal, padre Amaro ensina que é o momento de se unir nas lutas populares e resistir.

Padre Amaro esteve em São Paulo no dia 5 de dezembro para receber um prêmio da ONG Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, pela sua luta em defesa das comunidades camponesas, e falou com o Brasil de Fato. No evento, foi lançado o livro Direitos Humanos no Brasil 2018.  A vereadora Marielle Franco, assassinada no início do ano e cujo crime ainda não foi solucionado, também foi homenageada.

Brasil de Fato: Qual é a origem da disputa pela terra no Pará?

Padre Amaro: As terras são terras públicas da União. No processo de colonização da Transamazônica, foi criada uma área de PIC [Projetos Integrados de Colonização] que abrange seis quilômetros a partir da faixa onde iriam viver os trabalhadores. Depois iriam ser separadas as grandes áreas. Foram feitas licitações e se, em cinco anos, o licitante não cumprisse o contrato, as terras voltariam para a União. Foi o que aconteceu.

Muitos fazendeiros do Sul do país compraram essas terras, onde já tinha a ocupação de trabalhadores. Com os projetos de desenvolvimento da região, como Belo Monte, muitos trabalhadores foram para a região. Quando os fazendeiros chegaram, ele tiraram os trabalhadores a pontapés, matando e queimando.

Como é a dinâmica de trabalho dos agricultores que foram trabalhar na região e estavam lá antes dos fazendeiros?

Você tem lotes de dez alqueires e só pode desmatar 20%. Os 80% é da reserva [mata nativa]. Os pequenos agricultores preservam a floresta. Já os grandes fazendeiros consideram isso um atraso para o desenvolvimento da região. Porque o que eles querem é derrubar e jogar pasto para criar muito gado.

E para onde vai essa produção de carne de gado?

Para exportação. O pequeno produz o cacau, o milho, a mandioca, o arroz, a pimenta do reino. E algumas fazendas usam um pedacinho para criar uma vaca de leite. Ele tem aquela terra para trabalhar a vida toda. Já o grande [fazendeiro] quer aquela terra para explorar e não fica renda nenhuma ali no município. Vai toda para fora.

E como se dá a expulsão dos agricultores da terra?

Eles querem tirar e eles tiram. Para nós, no Norte, parece que é um Estado sem lei. A impunidade mata e desmata. Eles dizem que vão limpar a área. E para limpar a área vale tudo. Matando, queimando, derrubando casa. Mesmo se a ação está na Justiça, eles nem esperam a tramitação final e vão agindo pela força. Eles têm poder, contratam pistoleiros, têm dinheiro. Eles passam por cima do pequeno e da pequena como se fossem coisas que não existem.

Como é a atuação da CPT na região e quais as acusações contra vocês?

A Comissão Pastoral da Terra dá assessoria aos trabalhadores e trabalhadoras. A CPT tem advogados, a gente ensina, encaminha os agricultores para a Defensoria Pública ou o Ministério Público Federal. Com isso, eles [os fazendeiros] têm raiva. Eles dizem que a gente incita o que eles chamam de “invasão”, mas é ocupação de terras públicas.

Como era sua amizade com a missionária Dorothy Stang?

Conheci ela em 1989, em Belém. Ela convidou alguns jovens para fazer uma missão na área e nós fomos. O bispo aceitou a gente e começamos a trabalhar e a estudar em Belém. Em 1998, eu fui ordenado padre em Anapu (PA). Em dezembro de 1998, o bispo elevou para a categoria de paróquia e eu fiquei ali. Tive a graça de trabalhar com a Dorothy por 15 anos. Quando a conheci, ela já fazia parte da CPT.

E qual era a principal luta de Dorothy?

A luta dela é que com a técnica você pudesse trabalhar na área de uma forma sustentável. Para criar os filhos e netos em harmonia com a terra e a natureza. Como tudo estava sendo devorado [pelos fazendeiros], ela entrou com a criação de dois PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), que ficaram conhecidos como PDS Virola-Jatobá e PDS Esperança. Isso gerou uma raiva no meio dos fazendeiros e alguns setores dos madeireiros. Para calar e acabar com os PDS, eles mataram a Dorothy. Criaram um consórcio e mandaram matar no dia 12 de fevereiro de 2005.

O assassinato da missionária teve a mesma motivação do plano de difamação contra o senhor e que acabou em prisão. Como foi isso?

Eu estava em casa. O padre Bento que estava vindo de outra cidade me pediu para ir buscá-lo no terminal. Levantei, deixei o portão aberto e fui para o terminal. Quando cheguei tinha seis viaturas atrás de mim. E falaram que tinha um mandado de prisão contra mim. Eu disse que queria ler antes lá na minha casa. Entrei no carro, não fui algemado, e lá disseram que queriam arma, dinheiro, celular e o computador do CPT. Eu li a acusação e tinha coisas terríveis. Foi rápido. Me trouxeram para Altamira e fizeram os procedimentos e me levaram para o centro de detenção. Fiquei 92 dias lá.

Como foi a sua soltura? Teve dois pedidos de habeas corpus negados?

As duas vezes que pediram para a Justiça do Estado negaram. Na terceira, que foi lá no Supremo, foi concedido.

No período em que o senhor estava preso no Pará também prenderam o ex-presidente  Lula. Como foi a sua reação?

A minha reação foi terrível. A gente sabe da inocência de Lula. Sabe que foi golpe. Prenderam ele para que não pudesse concorrer à Presidência, para que não pudesse fazer mais nada pelos pobres. O golpe primeiro foi contra a Dilma e depois contra ele. Na celazinha, tinha uma televisão, quando eu vi aquilo, não fiz outra coisa a não ser chorar. Mais um companheiro que estava sendo preso injustamente. Foi uma dor muito forte no meu coração.

A prisão injusta e essa perseguição contra o senhor gera uma sensação de medo na região?

Não só na região, mas a toda entidade que luta por terra e por direitos. Uma das acusações é que eu não faço outra coisa senão defender bandido. Mas são trabalhadores e trabalhadoras rurais. Se eu fiz algum mal, esse mal foi tentar colocar o alimento na boca do trabalhador e trabalhadora e ajudar ele a conquistar um pedacinho de terra.

Após o golpe de 2016, da luta pela terra ficou mais acirrada. Notou alguma mudança no Judiciário também?

A situação política mudou. Em algumas glebas o pessoal está lá há mais de 20 anos e que agora, depois do golpe e da eleição deste moço [Jair Bolsonaro] que vai assumir a presidência, já teve audiência preliminar, já teve vistoria e o juiz já marcou de ir lá de novo. A gente fica muito preocupado com isso. Lá já foi queimada escola. Impediram de chegar energia elétrica. Não deixaram fazer uma estrada.

O senhor pediu algum tipo de proteção da Justiça após a morte da Dorothy?

Quando a Dorothy foi morta mandaram chamar a gente, os presidentes de sindicatos, os trabalhadores e fizeram várias reuniões. Nós percebemos que era para fazer a proteção de testemunha só para o padre e as irmãs. A gente não aceitou porque a gente não aceitava este tipo de segurança se o nosso povo continuasse inseguro. Era muito cômodo um padre, as irmãs e algumas lideranças ter segurança enquanto todo uma região estava insegura.