“Meu crime é ser índio. Renuncio à minha candidatura, mas aviso que voltarei em breve”, diz Evo Morales

Atualizado em 24 de novembro de 2019 às 10:54
Evo Morales chega ao México, onde pediu asilo

Evo Morales falou ao Página 12, da Argentina, sobre o golpe na Bolívia:

Houve uma reunião com a garantia das Nações Unidas, da Igreja Católica e da União Europeia. No dia em que cheguei ao México, pedi em uma entrevista coletiva para facilitadores e personalidades internacionais de todo o mundo que ajudassem a pacificação da Bolívia. Felizmente, essa reunião acaba de acontecer, da qual o governo de fato de (Jeanine) Añez participou. O Movimento ao Socialismo representa dois terços dos senadores e deputados. Faremos o melhor pela unidade. E pela pacificação, desisto da minha candidatura. (…)

Meu grande crime é ser índio e, principalmente, ter nacionalizado recursos naturais, como hidrocarbonetos. Lembro perfeitamente que o irmão Néstor Kirchner, quando nacionalizei e as empresas me disseram que não investiriam mais, me ligou e disse: “Se as transnacionais de petróleo não investirem, a Argentina investirá na Bolívia”. Tenho grandes lembranças da luta pela dignidade e independência dos Estados, pela dignidade e identidade de nossos povos. (…)

Farei o possível para pacificar a Bolívia. Eu desisti da candidatura, ainda que estivesse habilitado a me candidatar à Presidência. Eu digo que renuncio para que não haja mais mortos, nem mais agressões. Você sabe por que renunciei na tarde de domingo com o irmão García Linera? Porque eles pegaram meus irmãos líderes, militantes, governadores, prefeitos e disseram que iriam queimar suas casas se eu não renunciasse. O irmão do presidente da Câmara dos Deputados foi informado: “Se o seu irmão não renunciar, nós o queimaremos na praça”. Eles queimaram a casa da minha irmã em Oruro. Do racismo ao fascismo e do fascismo ao golpe. Foi o que aconteceu na Bolívia. Por esse motivo, busco unidade e pacificação. (…)

Eu gostaria muito de voltar à Bolívia. Mas quero que você saiba que nos informaram que os Estados Unidos não querem. O governo do golpe também não quer. Agora, na Bolívia, eles estão discutindo uma lei de garantia. Há pessoas na cadeia. Um porque ele dirigia sem licença. Outro, em Cochabamba, por gritar “Pátria ou morte”, também na prisão. É uma caçada. Os ministros que estão na embaixada da Argentina e aqueles que estão na embaixada do México não têm segurança. Repito: com tanto tiroteio, com tanta repressão, eles momentaneamente detêm o poder político. Mas isso acaba. (…)

Eu não descarto (trocar o asilo no México pela Argentina). Eu quero estar mais perto da Bolívia. Fernández e Cristina sempre cooperaram comigo. Eles nunca me abandonaram. (…) Trabalhamos em solidariedade. Se eles nunca me abandonaram, não me abandonarão neste momento tão difícil que a Bolívia está vivendo, com tantos mortos, com tantos feridos, com tantas detenções injustas. Os problemas se resolvem através da cooperação. (…)

Quero dizer que em breve retornaremos. Há pessoas que ainda não conseguem acreditar que o comandante da Polícia Nacional ou o comandante das Forças Armadas fazem parte de um golpe de estado. (…)

Policiais se rebelaram em protesto contra o governo de Evo Morales na Bolívia
Imagem: AIZAR RALDES / AFP

Em 7 de agosto, no aniversário das Forças Armadas, o general Williams Kaliman, que mais tarde se mudaria para os EUA, declarou-se a favor do processo anti-imperialista. Não sei se sua mudança de opinião se deve a dinheiro ou à luta de classes. Mais cedo ou mais tarde, as mesmas Forças Armadas e o povo identificarão os inimigos de nossa amada Bolívia. Eu equipei as Forças Armadas. Quando cheguei à Presidência, em 2006, eles tinham apenas um helicóptero. Hoje eles têm 24. (…)

Quero que o mundo saiba que no domingo, 10 de novembro, ao amanhecer, a OEA aderiu ao golpe de estado. Ela o fez com um suposto relatório preliminar, quando havia concordado anteriormente com nosso chanceler que apresentaria sua opinião final na quarta-feira, 13. Eu tenho relatórios estrangeiros. Eles mostram que não houve fraude. Um da Universidade de Michigan. Outro do Center for Economic and Political Research, em Washington. Ontem tive uma longa reunião com o Carter Center. Conversei com irmãos muito próximos do Papa Francisco e com funcionários das Nações Unidas e pedi a eles que fizessem uma Comissão da Verdade para conduzir uma investigação completa. Mostraremos que não houve fraude. (…)

Eu pensava que a opressão e a humilhação haviam acabado. A Bolívia tinha uma nova Constituição. Mas vejo com surpresa a reação dos aliados de Luis Fernando Camacho em Santa Cruz. A Bíblia não pode ser usada para odiar. Não são todos os habitantes de Santa Cruz, é claro, que ligaram para identificar inimigos e matá-los usando assassinos contratados. (…)

Eles humilham pessoas humildes. Eles chutam as pessoas pobres na rua e as chamam de “kolla”. Assim você chega ao fascismo. Eles identificam a casa de um deputado ou governador do MAS e a queimam. E a polícia não dá nenhuma segurança. A desculpa é que existem cubanos. Mas os cubanos, gratuita e incondicionalmente, ao contrário dos Estados Unidos, que sempre condicionaram a assistência às políticas do Fundo Monetário Internacional, deram ajuda. Construímos hospitais e recebemos a colaboração de médicos cubanos. (…) 

É uma ditadura. Nossa senadora Adriana Salvatierra teve suas roupas arrancadas quando ela estava entrando no Senado. Uma menina de 30 anos… A Praça Murillo cercada por tanques! Lembrei-me de quando fiz o recrutamento nas Forças Armadas em 1978 e meu comandante Daniel Padilla Arancibia se tornou presidente. Eu não entendi o que aconteceu. (…)