Uma “ordem unida editorial” tomou conta das redações de praticamente todos veículos da imprensa nacional na repercussão do depoimento do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, à Polícia Federal, ocorrido na sexta-feira passada, dia 1º de fevereiro.
Nem mesmo portais e blogs contra-hegemônicos escaparam dessa abordagem enviesada e distorcida, plantada em off por integrantes das cúpulas fardadas a jornalistas e veículos selecionados – como faziam na Lava Jato juízes, desembargadores, policiais, procuradores.
A mídia está encampando a versão diversionista que os militares tentam emplacar, segundo a qual o golpe não teria sido uma diretriz institucional das Forças Armadas, mas sim uma aventura de alguns militares, isoladamente, que teriam embarcado na canoa golpista do Bolsonaro.
“Ex-comandantes das Forças Armadas implicam Bolsonaro em plano golpista”, é o título da matéria da jornalista Bela Megale que ficou destacada durante várias horas na versão on line do jornal O Globo de 4 de março.
Megale descreveu que “o ex-comandante do Exército Freire Gomes e o ex-comandante da Aeronáutica Carlos Baptista Júnior implicaram diretamente Jair Bolsonaro”. Nos seus “longos e detalhados depoimentos”, ela escreveu, eles teriam ajudado a “preencher lacunas importantes do caso”.
No Estadão, reportagem de Marcelo Godoy diz que “depoimento de general é visto como ‘tiro de misericórdia’ em Bolsonaro e o fim da agonia do Exército”. O alívio teria, enfim, chegado à caserna.
Godoy repetiu o argumento falacioso que ganhou corpo com os questionamentos sobre o eventual crime de prevaricação cometido pelo do general Freire Gomes, que não teria denunciado o plano golpista de Bolsonaro testemunhado pessoalmente: – “os companheiros de Freire Gomes afirmam agora que, se ele entregasse Bolsonaro à Justiça ou denunciasse o golpe, não teria como provar a trama e seria ele mesmo destituído”. Só falta o principal para esta hipótese conveniente: a senhora prova!
Na prática, Godoy corrobora uma versão que, se tivesse o mínimo de verossimilhança, nos obrigaria a conceder a Freire Gomes a condecoração de herói salvador da democracia.
Também no Estadão a jornalista Eliane Cantanhêde passeou pelo conto da carochinha: “Para a atual cúpula militar, que é legalista, Freire Gomes estava do lado certo da história e vai para o céu, por resistir às pressões do Bolsonaro e se negar a jogar as tropas numa aventura golpista […]”, escreveu a jornalista, que assim se insinua uma adepta do gênero da fábula literária.
De sua parte, a Folha de São Paulo diz que “ex-comandante do Exército complica Bolsonaro e confirma discussão sobre minuta golpista”, completando que o general Freire Gomes “implicou Bolsonaro pela manutenção dos acampamentos golpistas”.
A Folha só esqueceu de esclarecer, no entanto, que foi o próprio general Freire Gomes quem impediu a desmontagem do acampamento do QG do Exército em 29 de dezembro de 2022, quando faltavam apenas dois dias para o fim do governo e já com Bolsonaro fugindo com comparsas e jóias da União para os Estados Unidos. Num avião da FAB, claro.
A medida condescendente do Freire Gomes com o acampamento foi de vital importância para os atentados de 8 de janeiro de 2023. Do QG do Exército brasileiro saiu a horda que vandalizou as sedes dos poderes da República e barbarizou o país. E lá essa horda ficou amotinada e protegida por blindados e pelas fileiras comandadas pelo general Arruda na madrugada do 9 de janeiro de 2023 para impedir o cumprimento de ordem judicial da Suprema Corte.
A reprodução, pela mídia, da versão diversionista das cúpulas das Forças Armadas não atenta, portanto, somente contra o jornalismo honesto e diligente.
Significa, também, um atentado contra o próprio Estado de Direito, pois com isso os militares conseguem conservar intacta uma institucionalidade militar que é nefasta e ameaçadora à democracia.
Publicado originalmente no blog do autor