A Argentina decide hoje quem será o próximo presidente, mas o cenário de ataques à liberdade de pensamento degradam um pouco mais a situação da democracia.
Alejandra Vitale, professora da Universidade de Buenos Aires, é especialista na retórica de extrema direita argentina. Ela aponta “ameaças que os jovens libertários fizeram ao próprio Sergio Massa ou a vandalização da Universidade Nacional de Cuyo, en Mendoza, com cartazes como ‘antro marxista’ ou ‘Tchau parasitas progressistas e feminazi’.
“A violência verbal e as metáforas desumanizantes (como “parasitas”) são comuns no discurso de Milei.”
Ainda assim, a pesquisadora indica que a grande maioria do pais ainda prefere a democracia. “Há apenas um núcleo pequeno que vota em Milei porque Villaruel reivindica a ditadura. A maioria dos eleitores de Milei votam nele porque esse tema não importa para eles ou pensam que não é importante.”
As pesquisas de intenção de voto mostram um cenário apertado. “Milei convenceu muito os eleitores de Bullrich e Massa convenceu um pouco melhor os de Schiaretti, o ex-governador da província de Córdoba, peronista mas em divergência com o kirchnerismo)”, avalia Vitale.
Córdoba é a segunda província mais povoada da Argentina, portanto um eleitorado considerado decisivo no resultado de hoje. Seu ex-governador foi o quarto colocado no primeiro turno, com 6,7% dos votos, enquanto a direitista Patricia Bullrich foi a terceira, com 23%.
Se o apoio da maioria dos eleitores de Bullrich faz pensar numa transferência de votos maciça para Milei, o segundo colocado no primeiro turno com 29%, seu desempenho no último debate parece ter-lhe sido desfavorável.
A linguista Alejandra Vitale explica os motivos, os efeitos dos apoios dos Bolsonaros e Lula e as dificuldades de Massa em relação ao padrão histórico de vitórias presidenciais.
DCM: Qual balanço você faz do segundo turno das eleições presidenciais argentinas?
Alejandra Vitale: Destaco que La Libertad Avanza, de Milei, antecipou-se para lançar dúvidas sobre uma possível fraude. Faz-nos pensar nos seguidores de Trump, que não respeitaram a opinião popular e quiseram assaltar o Parlamento.
A isso, somam-se ameaças que os jovens libertários fizeram ao próprio Sergio Massa ou a vandalização da Universidade Nacional de Cuyo, en Mendoza, com cartazes como “antro marxista” ou “Tchau parasitas progressistas e feminazis”.
A violência verbal e as metáforas desumanizantes (como “parasitas”) são comuns no discurso de Milei. A isso, somam-se a negação dos direitos, por exemplo os que nós mulheres adquirimos recentemente com a lei que legaliza a interrupção voluntária da gravidez (rechaço que nas pichações da Universidade de Cuyo se expressam com o insulto “feminazi”). Todos são indícios do pouco respeito à democracia que caracteriza a extrema direita.
DCM: Quem lhe parece ter convencido mais eleitores para ganhar: Sergio Massa ou Javier Milei?
Alejandra Vitale: A maioria das pesquisas dão uma pequena diferença, com Milei acima. Milei convenceu muito os eleitores de Bullrich e Massa convenceu um pouco melhor os de Schiaretti, o-ex governador da província de Córdoba, peronista mas em divergência com o kirchnerismo).
A pesquisa AtlasIntel afirma que os votos do primeiro turno de Schiaretti em torno de 50% vão para Massa e 30% para Milei.
Sobre o problema de convencer ou persuadir o eleitorado, eu gostaria de ressaltar que, no debate presidencial, Milei, ao procurar se mostrar como mais moderado e neutralizar a opinião de que é um desequilibrado mental, ficou totalmente apagado, sem argumentos e dominado por Massa.
Uma prova de que seu forte é a agressão, a violência verbal, o insulto, a potência de uma estrela do rock que seduz os jovens.
DCM: Se no primeiro turno predominaram a apatia, a esperança e a preocupação, houve mudanças no segundo turno?
Alejandra VItale: Não tenho pesquisas que tenham feito essa pergunta. Posso ressaltar a importância das emoções na adesão a um candidato e a centralidade atual da disputa pela ideia de “mudança”, que acarreta o despertar esperança.
Nesta área, Milei tem vantagens, porque é um “outsider”, alguém que vem de outra área que não a política, chega da economia. Na Argentina, isso foi chamado de “modelo da chegada”, isto é, um candidato que chega de fora, de um espaço não contaminado: Perón vem de um quartel; Néstor Kirchner, do sul (acabara de ser governador da província de Santa Cruz, no extremo sul).
Massa, por outro lado, ao ser Ministro da Economia de um governo com graves problemas econômicos, tem mais dificuldades para se apropriar da ideia de “mudança” e talvez despertar esperança.
Veremos no resultado eleitoral se teve êxito ao se representar como uma mudança em relação ao governo de Alberto Fernández, governo que não foi bem e do qual é parte. Esperamos que consiga.
DCM: O eleitorado de direita tradicional na Argentina deve seguir Patricia Bullrich e votar em Milei?
Alejandra Vitale: A pesquisa AtlasIntel mostra que em torno de 75% dos eleitores de Bullrich no primeiro turno vota em Milei no segundo turno e apenas 12% vota em Massa.
DCM: O que revela o revisionismo de Milei e Villaruel quanto à ditadura e seus resultados no primeiro turno, assim como o que dizem as pesquisas no segundo turno?
Alejandra Vitale: Há apenas um núcleo pequeno que vota em Milei porque Villaruel reivindica a ditadura. A maioria dos eleitores de Milei votam nele porque esse tema não importa para eles ou pensam que não é importante.
Nesse sentido, eu destaco que segundo a pesquisa Pulsar.Uba 73% dos argentinos/as diz que a “democracia é preferível a qualquer outra forma de governo”. Esperemos que essa crença hegemônica construída em 40 anos de democracia na Argentina continue.
DCM: Quais são os efeitos de apoios dos Bolsonaros a Milei de Lula a Massa?
Alejandra Vitale: O efeito que há é na dimensão da construção da identidade política. Ratifica uma identidade política de extrema direita e outra progressista, respectivamente.
Esta identidade progressista é representada por Bolsonaro/Milei como comunista, quando não o é. Por outra parte, esses apoios ratificam as políticas de Milei e Massa diante do Mercosul, que replicam as de Bolsonaro e Lula, rejeição ou fomento da integração, respectivamente. Quanto ao eleitorado ou intenção de votos, não há efeitos significativos.