Em nosso Café da Manhã recente no DCMTV, comparamos o candidato à presidência da Argentina, o ultradireitista e fascista (e como eles andam se reproduzindo e dando cria) Javier Milei, que se autoproclama uma espécie de herói salvador, contrariando a figura tosca, teatral, tirânica e tóxica, e com costeletas à la Menem e Elvis. Não conseguiria ele, nem por concurso, entrar na categoria dos heróis e vilões clássicos. Basta lembrar as criações da dupla Marvel e DC, como o Coringa de Batman e o Dr. Octopus, do Homem-Aranha. Milei seria o quê? Loki, o traidor da própria pátria? Não tem sofisticação, nem para isso – mas vamos surfar nessa onda. Os heróis têm ideais, empatia, sede de Justiça. Os vilões são rebeldes, inconformados, traumatizados.
Milei não é nada disso. Ele só quer o poder a qualquer preço, como subproduto de uma terceira onda dos anos de chumbo. Primeiro, ditadores substituídos por democratas – infelizmente, nem sempre com sucesso popular, especialmente na economia –, abrindo espaço para a tal terceira onda, dos neo ditadores, como vivemos aqui com Jair Bolsonaro, drenando, à la Matrix, o cérebro da camada da população sem a memória da ditadura, tortura, censura. Sem medo de ser infeliz. “El condor passa sobre os Andes, e abre as asas sobre nós”, cantou Belchior, mas nem tudo por aqui é Boric (Chile), Petro (Colômbia), Castillo (Peru) e Lula. A direita repete o mantra dos desesperançados que a esquerda não soube resgatar: “Estou aqui para tornar as coisas sãs novamente”, cantou em inglês. “I’m here to make things sane again”, um claro eco da famosa frase de Donald Trump, “Make America Great Again”.
Mas, voltado ao Birdman Milei, mesmo ridiculamente fantasiado – se algum marqueteiro tivesse dado a ideia, não duvido ver Bolsonaro de sunga apertada, colete à prova de balas e capa verde-amarelos no horário eleitoral gratuito – não tem categoria nem para esse posto. Nos últimos anos, Milei se fantasiou e se autoproclamou o “super-herói libertário”, chamado de “general Ancap”, em referência ao anarcocapitalismo. Vestindo um uniforme bizarro, nas cores preta e amarela – nenhuma relação com as cores argentinas -, quem sabe lembrando mais os camisas pretas e douradas do Dulce, dos militantes de Mussolini, o super-Milei quer combater keynesianos e coletivistas. Implantar um capitalismo sem a regulação do Estado, o famoso abre as pernas, meu bem.
Como os israelenses fizeram com os palestinos, que mandaram fugir do Norte para o Sul de Gaza, para depois atacar o enclave inteiro, a mensagem é: anticapitalistas, libertários, camponeses, idealistas, fujam para as montanhas. É o “super-herói libertário” chegando para passar o rodo na oposição. Sem limites para a vergonha e sem contato com a realidade, Milei chegou a cantar, com a roupinha colada de seu super-herói de araque, uma versão pastiche da ópera “La Traviata”, de Giuseppe Verdi, para falar do país sem inflação dos seus sonhos. Como todo candidato a ditador previsível, ele tem um discurso simples, mas que pode ser eficiente. O que mais aflige o país? Economia? Segurança Pública? Inflação? Num país que acumula alta de 142,7% dos preços (inflação de 120% em 2023, atrás na América Latina apenas da Venezuela), Milei apontou.
Vale lembrar, como obrigação histórica, que, por aqui, que quem canta de galo até hoje eram os Judas dos mercados de outrora. Mas o mercado é permissivo, flevível, datado. O notório Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney, que nos catapultou ao inferno econômico – hoje um renomado consultor e muito ouvido pela mídia – nos brindou, com a maior inflação de nossa história, colhendo e colhendo uma taxa de 980,2% em 1988. Lançou o Plano Verão em 1989 e a inflação saltou para 1.972,9%.
Candidato concorrente à Casa Rosada pela coalizão “La Libertad Avanza” (em português, “A Liberdade Avança”), Milei, em sua fantasia de ombreiras, luvas, colã e um enigmático estandarte, que aqui no Rio compararíamos a uma espinha de peixe, dessas que sobram no resto do prato depois de um filé de tilápia – quem sabe uma mensagem subliminar do que pretende distribuir para os pobres argentinos, sobras – , já seria um clown para ser prefeito do circo, Pegando carona no seu multiverso, ele vem da Liberlândia, um “país onde não se paga impostos e vive-se no Éden social”, algo tão boçal que faria Eva, que não era boba como Adão, sair correndo do Paraíso.
Pelo bizarro da roupa do super-herói portenho, eu – que já fui crítico de cinema, nem toda a minha vida foi só cobertura política – penso logo em algo imbecil, como os idiotas de “Kick-Ass: Quebrando Tudo”, franquia que já tem dez anos, sobre anti-heróis. E quase em sequência, me vem à mente a supersérie em streaming, “The Boys”, sobre heróis-vigilantes sórdidos, arrogantes, degenerados e corruptos, pertencentes a uma corporação, a Vought International, marionetes musculosas e com superpoderes, criados artificialmente, para servir ao sistema. Tem também um quê de Sargento Garcia, do velho Zorro um herói. Apesar dos esforços, com botox, cabelo cultivado e costeletas para lembrar o icônico Simón Bolívar.
Mas, pensando bem, e mirando nas inspirações domésticas, Milei é mais o Overman, o herói neurótico, perseguido, vulnerável e inseguro, e sem perspectiva para o futuro, além de estar revestido de masculinidade tóxica. Overman é baseado na construção sempre sagaz da cartunista Laerte, que surgiu nas tiras do “Piratas do Tietê”, em 1998, e pode ganhar o cinema nacional (sem grandes expectativas quanto a isso, ok?). As filmagens teriam se encerrado, mas a gente conhece o cinema nacional. Da pena da Laerte nasceu o anti-herói egocêntrico, com vaidades latentes que se escondem por trás de uma fantasia e uma máscara. Milei seria um Overman sensacional. Como presidente da Argentina, só vai implodir o país, com aquela TNT da ACME Corporation, dos desenhos do Coiote e do Papa Léguas.