“Minha diversão é essa”: dentista é acusado de matar mais de mil onças pintadas. Por Daniel Trevisan

Atualizado em 2 de julho de 2019 às 20:23

Tem gente viciada em cigarro, bebida ou droga mais pesada. Tem gente viciada em jogos.

Em nenhum desses casos, no entanto, o vício atinge diretamente outra vida. Não é o caso do vício do dentista Temístocles Barbosa Freire, o Téo.

O prazer incontrolável dele é matar animais silvestres, especialmente a onça pintada.

Segundo registra o jornalista Altino Machado em seu perfil no Facebook, com base nas informações da denúncia do Ministério Público Federal, Téo teria matado desde 1987 mais de mil animais desta espécie.

Temístocles é acusado de fazer parte de uma quadrilha que agia na Fazenda Cacau, no interior do Acre.

Diálogos interceptados pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, revelam que Téo agia exclusivamente por prazer.

TÉO: (…) É igual à caçada. Eu vou porque eu sou viciado (incompreensível) cem reais de diesel.

MÁRCIO: Mas gasta. Eu sei, meu amigo.

TEO: (…) eu gastava uns duzentos e cinquenta, trezentos reais de diesel(incompreensível). Fui quarta, fui hoje, vou amanhã de novo.

MÁRCIO: É.

TEO: E assim vai. (incompreensível). É minha diversão. Não bebo, não fumo. Minha diversão é essa.

MÁRCIO: Pois é.

Segundo a Polícia Federal, Téo fazia incursões pelas matas atrás dos animais silvestres. Não para comer ou para se defender.

Além de Temístocles, também viraram réus na ação penal Gilson Dória de Lucena Júnior (médico), Sinézio Adriano de Oliveira Júnior (servidor do Poder Judiciário), Gilvan Souza Nunes (agricultor), Gisleno José Oliveira de Araújo Sá (agente penitenciário), Manoel Alves de Oliveira (eletricista) e Sebastião Júnior de Oliveira Costa.

Durante a investigação, os policiais encontraram fotos e vídeos dos caçadores em ação, além do grampo telefônico com o registro das conversas.

Uma foto divulgada pela Polícia mostra Temístocles manipulando uma onça morta ou anestesiada. Outras imagens são do bando com animais mortos. Em uma delas, um homem puxa a orelha da onça caída. Outra exibe duas onças penduradas pelo pescoço.

Há ainda uma onça morta carregada por um caçador.

modus operandi adotado pelo bando, segundo a denúncia, consistia na utilização do toque de uma cuíca para atrair a onça-pintada. O grupo também usava carniça para atrair os animais, e cães para acuá-los.

Em apenas três meses de monitoramento policial, foram registrados onze episódios de caçadas, e apenas neste período foram mortos cerca de oito onças pintadas, treze capivaras, dez catetos e dois veados mateiros.

A onça pintada (Panthera onca) é o maior felino das Américas e está ameaçada de extinção.

A caçada sempre traz à tona pensamos filosóficos sobre a natureza humana.

O filósofo inglês Thomas Hobbes, defensor das monarquias absolutistas, dizia que o homem é essencialmente mau e precisa ser controlado para não dar vazão a seus instintos mais perversos. É dele a frase “O homem é o lobo do homem”.

Já o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau acreditava no oposto: o homem é essencialmente bom, mas acaba corrompido pela sociedade.

O dentista Téo nasceu mau ou se tornou mau no decorrer da vida? A rigor, o prazer da caçada desafia o conceito que temos de humanidade.

Há um ditado popular que assinala: “Sejamos humanos, deixemos os animais em paz”.

O cineasta John Huston colocou a vontade de matar um elefante na África acima da sua responsabilidade com um filme que dirigindo.

Seus assistentes quiseram saber por que agia assim, e ele respondeu: “Matar um elefante não um crime. É mais do que isso: é um pecado”.

John Huston matava pelo prazer de pecar.

O dentista pode ter esse prazer, mas no Brasil há lei que protege os animais silvestres.

Se houver justiça, ele e seu bando terão contas a pagar.