Lembro do gosto enebriante de liberdade que eu sentia quando, aos oito anos, podia transitar com meus mamilos infantis à mostra. Brincava de pique-esconde e baleado, escalava montinhos de areia e convidava os meus amigos – meninos e meninas – para andar de bicicleta. Coisas que toda criança com uma infância bem vivida experimentou. Andávamos sentindo o vento em nossos peitos, evitando o calor e as brotoejas sob o sol escaldante da Bahia.
Lembro também da frustração quando, numa tarde ensolarada, minha mãe me chamou pra dentro e me fez vestir uma camiseta. Eu estava crescendo. Aos dez anos, pequenos limõezinhos inocentes começavam a crescer no lugar dos mamilos lisos. Eu estava ficando mocinha e ela – ao contrário de mim, uma criança ainda a salvo do terrível patriarcalismo sexual que desde sempre nos permeou – sabia que meu corpo já começava a ser sexualizado. A liberdade deu lugar à preocupação medonha com pedófilos e más línguas.
Os garotos da rua continuavam a andar de bicicleta sentindo o vento em seus mamilos enquanto eu era advertida a pôr a blusa por dentro dos shorts (uma mocinha não podia andar tão desmazelada) e pentear melhor meus cabelos. Comecei a entender, antes mesmo da puberdade, que meu corpo não era um problema só meu (como eram os corpos dos meninos da rua). Havia uma sexualização que, embora alheia a mim e à minha própria inocência, podia determinar se eu sentiria ou não o vento em meus mamilos ao andar de bicicleta.
Depois disso, nunca mais andei com os mamilos à mostra fora de minha própria sala (e mesmo na segurança do meu quintal, precisava – e preciso! – me preocupar com olhares atentos de vizinhos tarados em potencial). Nem mesmo na marcha feminista, a que vou anualmente, consigo mostrá-los sem medo de represálias.
Hoje, doze anos depois, vejo lançada a campanha #FreeTheNipple (libertem os mamilos) e, junto com ela, a dúvida que me acompanha desde a minha infância: liberdade ou excitação?
Para aquela menina que adorava sentir o vento em seus mamilos e para essa mulher que também sente calor é a mais inocente liberdade. Não fui eu que sexualizei meus mamilos. Apenas fui chamada para dentro pela minha mãe e advertida de que precisava escondê-los.
Não fomos nós, mulheres, quem dissemos que seios eram sexuais. Não somos nós as culpadas por não podermos alimentar nossos filhos em público porque uma parcela (maior do que o que gostaríamos) da população masculina acha até mesmo o ato da amamentação algo excitante.
Então, uma parte importante nessa polêmica é esclarecer que não somos nós quem sexualizamos nossos corpos – porque peitos são sexualizados tanto num desfile de escola de samba quanto num ato tão terno quanto a amamentação. Então, antes que nos culpem, que enxerguem: a excitação masculina existe a despeito de nós.
A dura verdade por trás da polêmica (incompreensível, ao meu ver) dos mamilos femininos é que nós, na verdade, jamais escolhemos quando estaremos ou não em uma posição sexual: a sociedade patriarcalista decide isso.
Ela decidiu que meu short curto é sexual. Que se eu tomo um sorvete de palito em público, isso é sexual. Se amamento meu filho numa fila, isso é sexual. Tornar uma mulher sexual pelo que quer que ela faça é mais importante do que lhe garantir liberdades óbvias (de tão simples) como tomar um sorvete de palito e, porque não, mostrar os mamilos se sentir vontade.
O que nós queremos dizer com nossos seios à mostra nas marchas feministas enquanto lemos odiosos cartazes de “só vim pra ver tetas!” é exatamente isso: não é excitante, não é sexual. São só os nossos mamilos. É simples assim.
Embora tenhamos sido vítimas de uma sexualização insana através dos séculos, não creio que esconder nossos peitos continue sendo a saída. Não devemos pedir que as mulheres cubram seus seios, devemos pedir que os homens deixem de vê-los numa perspectiva puramente sexual, assim como não devemos ensinar mulheres a não atraírem estupradores, devemos ensinar homens a não estuprar.
Parece óbvio, mas vivemos tempos em que o óbvio demanda cada vez mais explicações.