O QUE EU DIRIA diria a um jornalista que esteja iniciando agora?
Bem, talvez seja melhor colocarmos as coisas assim: o que eu faria se estivesse começando agora?
Primeiro e acima de tudo, mil vezes eu nascesse, mil vezes eu seria jornalista. Não há nada comparável. Você ganha se divertindo. Ouvi isso algumas vezes de Roberto Civita, dono da Abril, e é uma frase que diz tudo de forma resumida.
Dado então que, tivesse outra vez 20 anos escolheria o jornalismo sempre e sempre, eu me colocaria onde as perspectivas de carreira serão cada vez mais interessantes. Isso quer dizer que eu optaria pelo jornalismo digital.
Sou um homem do papel. Décadas de mídia impressa, se juntarmos os 33 anos de meu pai na Folha mais os 30 meus em revistas. Tenho uma ligação sentimental imorredoura com o papel, portanto. Lembro, com uma certa nostalgia, meu chefe Antonio Machado levando com paixão exemplares de revista ao nariz. Parecia estar sorvendo o melhor perfume da mulher amada.
Mas, tendo militado no jornalismo digital nos últimos anos, não dá para fugir á constatação de que para o papel — e para a televisão, rádio, tudo o mais — a briga é dificílima. Se eu falo na internet de uma música, posso colocar o vídeo dela para que as pessoas ouçam. Não tenho problema de espaço. E posso corrigir a qualquer momento um erro que eventualmente cometa. Publico na mesma hora uma informação ou análise que ache interessante.
Onde você encontra tantas facilidades senão na internet?
Para me situar melhor, se estivesse começando agora, eu procucaria encontrar os melhores sites e blogues que existem no mundo, e tentaria, disciplinada e humildemente, aprender com eles. Picasso escreveu que os artistas comuns copiam e os gênios roubam idéias. É uma provocação, em parte. Mas a outra parte, a que merece ser levada em consideração, é que estudar os outros encurta muito o aprendizado. Alguns dos melhores Picassos são interpretações suas de clássicos que o fascinavam. Entre agosto e dezembro de 1957, Picasso fez 58 interpretações de As Meninas, de Velásquez. O gênio era, aí, um aprendiz.
Tive a sorte de ouvir de meu pai, quando estava começando, palavras que me transformaram. Papai era professor de técnica de redação, e eu seu aluno. Mao Tsetung morrera e papai pediu a cada um de nós que fizéssemos um texto curto como se fosse para uma rádio. Papai, como sempre de pé, andando pela sala, leu alguns em voz alta. Meu texto simplesmente errava a China de Mao.
Papai não me poupou, e isso foi uma das melhores coisas que me aconteceram. Meu erro provocou gasgalhadas na sala. Na saída, em frente do estacionamento, sem erguer a voz, como era seu estilo, papai me disse: “Paulo, se você quer ser jornalista, tem que se esforçar.”
Mudei completamente a partir daquela manhã. A morte de Mao, de alguma forma, me salvou. Como um jovem adulto, eu estava bem mais interessado na noite de São Paulo do que no estudo do jornalismo. Se eu não equilibrasse as coisas, teria virado um pândego, talvez uma boa companhia de bar, mas um jornalista medíocre.
Equilibrei.
Uma das coisas que imediatamente fiz foi reservar um tempo — sagrado — à leitura dos melhores textos em língua portuguesa. Aristóteles notou que a virtude está no hábito. Não adianta você ter um espasmo de leitura e depois parar. É preciso criar o hábito. Reservei duas horas por dia para ler livros que me ajudariam a escrever. Papai tinha as coleções de Machado de Assis (em capa verde) e de Eça de Queiroz (em capa vermelha).
Li tudo, no correr das semanas que entraram. Tinha sempre um papel comigo no qual anotava as frases que me marcaram. Sou capaz de citar algumas até hoje, 30 anos depois. “Braços que se desenlaçam em despedidas supremas”, de Eça, era uma de minhas favoritas. Usei-a em cartas de amor algumas vezes na juventude, com boa taxa de sucesso.
Muito tempo mais tarde, numa fase em que busquei o sentido da vida na filosofia oriental, fui encontrar nas conversas de Krishna com Arjuna, no Gita, um significado parecido com a conversa de papai na saída da faculdade. Krishna diz a Arjuna, em determinada passagem, que o importante é você fazer o melhor que puder em tudo, ainda que numa disputa você possa perder.
Quando avalio algum texto, sempre levo em consideração isso. O autor deu o melhor de si ou foi pelo caminho mais fácil? Sou condescendente com textos limitados em que sinto empenho. Converso com o autor, mostro as falhas, procuro auxiliá-lo. Sou rigoroso quando pressinto preguiça. O repórter aplicado tem grandes chances de aprender o que deve e fazer uma carreira boa. O repórter preguiçoso, ainda que tenha talento, vai bater no muro rapidamente.
Uma expressão que também me é cara, quando penso nos jovens jornalistas, é “mente aberta e mente alerta”. Preste atenção nas coisas. Seja curioso. Não bloqueie a cabeça. Vá lá fora da redação para ver o que está acontecendo. A China está virando rapidamente uma superpotência? Talvez seja hora de aprender mandarim. Há bons cursos, de graça, na internet. É ond estou me iniciando no mandarim, fiel à sentença clássica de Epicuro que diz que nunca é cedo demais nem tarde demais para começar nada.
O jornalista Válter Fontoura, editor do Jornal do Brasil em sua última fase como um grande jornal, no começo dos anos 80, costumava dar ingressos de cinema aos repórteres que via vagando na redação. É uma boa prática. A verdade está lá fora, e não na redação, como muitos editores equivocadamente pensam.