Uma sargento temporária de um batalhão do Exército do Nordeste identificada como Marta (nome fictício) relatou o machismo que mulheres militares enfrentam ao denunciar casos de assédio sexual. Desde repreensão do superior até apurações sobre seus comportamentos dentro e fora do quartel, as vítimas passam por episódios de constrangimento.
Marta denunciou o suposto assédio de um tenente que chegou a deixar marcas em seu abdômen. Por falta de provas, porém, a acusação foi arquivada e invertida. A denunciante foi acusada pelo Ministério Público Militar por denunciação caluniosa contra o oficial.
O ministro Artur Vidigal de Oliveira, do STM (Superior Tribunal Militar) apontou, após o arquivamento da denúncia, que a sindicância interna passou a apurar fatos que desabonassem a denunciante, questionando testemunhas sobre a postura dela no quartel.
“A intenção que se extrai após a leitura atenta das perguntas elaboradas, tanto na sindicância quanto no IPM [inquérito policial militar], tais como ‘se sabe se a graduada se relacionava com militares do Batalhão’ ou ‘se conhece conduta que desabone a sargento’, é de uma tentativa assombrosa de se culpar a vítima do assédio por ela sofrido”, pontuou o ministro em seu voto.
À Folha de S.Paulo, Marta disse que só fez a denúncia depois que colegas notaram alterações em seu comportamento, mas até hoje familiares e amigos não sabem o que aconteceu com ela no Exército: “Fiquei com medo porque ele era oficial de carreira e eu era recém-chegada militar temporária”.
“Todas [as amigas militares] diziam, depois que viram o que eu passei, que nenhuma, se passasse pela mesma coisa, faria o que eu fiz. Porque todo mundo virou as costas. Elas viam o que eu estava passando. Viram quanto eu chorei”, lamentou ela.
Marta seguiu detalhando o que passou: “A primeira pergunta que fazem sempre: ‘Mas por que você não falou na hora? Por que você não foi fazer um exame de corpo delito já que você ficou marcada?’ Sempre são os porquês. Mas ninguém quer saber o que lhe afetou naquele momento, como você ficou, se você ficou bem, se você ficou mal. É sempre: ‘Ah, por que você não foi?’ Não fiz, por inexperiência, por não saber o que tinha pela frente”.
Uma sentença dada no Rio Grande do Sul também mostra que uma sargento foi repreendida por seu superior ao se exaltar quando foi abordada por um suboficial da Aeronáutica. Após ser assediada três vezes, ela repeliu com veemência um pedido de reunião e o militar acabou condenado.
Em notas, Exército, Marinha e Aeronáutica afirmaram que repudiam a prática de assédio e apuram qualquer conduta criminosa reportada. Uma pesquisa feita em 2020 pelos juízes Mariana Aquino e Rodrigo Foureaux com mulheres integrantes de forças de segurança (incluindo também PM, Guarda Municipal e bombeiros, entre outros) aponta que 83% das que declararam terem sido vítimas de assédio não denunciaram o caso.
Entre as principais razões, estão a descrença na apuração (13,3%), o medo de represálias (12,7%) e da exposição (12,5%). A pesquisa ainda diz que 163 militares das Forças Armadas alegam terem sido assediadas, número mais alto que o de investigações abertas nos últimos sete anos. Delas, 87% disseram que o assédio partiu de um superior.
“Tenho notado essa preocupação, porque senão eles não iam querer que uma juíza fosse até uma organização militar falar sobre esses crimes. A palestra é pesada. Eu trago várias jurisprudências, falo sobre os casos. A gente tem notado também a procura das militares para falar porque sabe que agora tem um canal de comunicação”, disse Aquino, que tem sido convidada para palestrar em unidades militares.
Já a procuradora Najla Nassif Palma, do Ministério Público Militar, disse que os inquéritos mal conduzidos não são maioria: “Eles têm sido orientados a não fazer isso, mas já houve investigações em que não havia esse cuidado, essa técnica. Houve casos em que a gente mandou até trocar o encarregado”.