Danilo Vital
Para os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, não há como obrigar estados e municípios a pagar o piso salarial da enfermagem instituído pela Lei 14.434/2022 se os entes não tiverem receitas para tanto. Se o Congresso insistir, poderá bancar a aplicação da norma com redirecionamento de verbas de emendas parlamentares, inclusive as de relator.
A proposta foi feita em voto-conjunto apresentado em liminar na ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) contra a fixação de salários mínimos a serem pagos. É a primeira vez que dois ministros apresentam um só voto num julgamento.
Em setembro de 2022, Barroso, relator da ADI, concedeu liminar suspendendo os efeitos da lei porque ela não apontou a fonte de recursos para os gastos que instituía. Como consequência, havia sinais de demissões e piora na prestação de serviços de saúde por todo o país.
Em maio de 2023, o relator revogou a própria liminar considerando a sanção da Lei 14.581/2023, que abriu crédito especial de R$ 7,3 bilhões no orçamento do Fundo Nacional de Saúde. O Plenário do STF então começou a se debruçar sobre o referendo da decisão.
Em voto-conjunto com o ministro Gilmar Mendes, o relator apontou que mesmo com as alterações recentes, municípios e estados têm uma forma apenas parcial e temporária de receber recursos da União para honrar o pagamento do piso a enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares e parteiras.
Para 2023, foi aberto crédito especial. Para os anos seguintes, a legislação prevê o custeio com eventuais resultados positivos de fundos da União. Ou seja, há uma previsão orçamentária incerta para uma despesa corrente de caráter continuado.
Nesse cenário, o pagamento do piso por estados e municípios depende do aporte de recursos pela União. Sem tal assistência, o voto conjunto aponta que uma das saídas seria abertura de crédito suplementar lastreado em recursos provenientes do cancelamento, total ou parcial, de dotações como as destinadas ao pagamento de emendas parlamentares individuais.
Gilmar e Barroso citam emendas destinadas ao projeto de lei orçamentária destinadas a ações e serviços públicos de saúde, prevista no artigo 166, parágrafo 9º da Constituição Federal. E também as “direcionadas às demais emendas parlamentares (inclusive de Relator-Geral do Orçamento)”.
Chamadas de orçamento secreto, as emendas do relator ao Orçamento-Geral da União são pagas para apenas alguns deputados e podem se transformar em instrumento usado para atrair votos de deputados a determinadas pautas. Seu uso chegou a ser suspenso pelo STF.
Posteriormente, a corte declarou sua inconstitucionalidade, apontando que destinam-se exclusivamente à correção de erros e omissões nos termos do artigo 166, parágrafo 3º, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal. Assim, foi vedada sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual.
Com isso, o cumprimento do piso salarial instituído pelo Congresso sem a previsão orçamentária adequada está nas mãos dos próprios parlamentares, que direcionar verbas às quais têm acesso.
“Para que fique claro: caso não haja uma fonte capaz de fazer frente aos custos impostos aos entes subnacionais, não há de se exigir destes o cumprimento do piso estipulado na Lei nº 14.434/2022”, diz o voto-conjunto.
Até o momento, o ministro Luiz Edson Fachin divergiu, ao votar por revogar a liminar e implementar o piso na forma prevista na Lei 14.434 /2022, na Emenda Constitucional 127/2022 e na Lei 14.581/2023. Pediu vista o ministro Dias Toffoli.
Originalmente publicado por Consultório Jurídico
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