Moro e o poder sem limite dos juízes brasileiros. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 16 de maio de 2018 às 9:45

Sergio Moro já deu provas de seu apreço pela cultura norte-americana e deveria prestar atenção também no Código de Conduta dos Juízes dos Estados Unidos, que recomenda:

“Juiz deve evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade em todas as suas atividades.”

A presença de Moro como homenageado num evento privado em Nova York é um tipo de atividade que deveria evitar, em obediência ao princípio que pode ser traduzido por um antigo ditado: à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.

Ao receber o prêmio de Personalidade do Ano da Câmara de Comércio Brasil-EUA, Moro se confraternizou com o tucano João Doria, candidato ao governo do Estado de São Paulo, ao mesmo tempo em que a velha imprensa especula se ele poderia substituir o pré-candidato do partido à presidência, Geraldo Alckmin.

E, mais grave ainda, se encontrou com o presidente da Petrobras, a empresa que é a parte, como assistente de acusação, nos processos que ele conduz em Curitiba, inclusive aquele que gerou a condenação do ex-presidente Lula e o levou para a prisão.

A foto publicada hoje pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra o juiz, ao lado da esposa, com os olhos brilhando na direção de Pedro Parente, presidente da empresa.

Um olhar de admiração.

É apenas um foto, é verdade, não serve para nenhuma acusação de ilicitude, mas é dessas imagens que mostram que a mulher de César está falhando com seu dever de discrição.

Dão em seus jurisdicionados — aqueles que estão sujeitos à sua ação como juiz — um razoável motivo para desconfiança.

O próprio juiz, ao fazer o discurso de agradecimento, disse que chegou a pensar se deveria aceitar o prêmio.

“Quando recebi o convite, pensei se deveria aceitar. Não sei se um juiz deve chamar este tipo de atenção. Judiciário e juízes devem atuar com modéstia, de maneira cuidadosa e humilde”, ponderou Moro diante de uma plateia de mais de mil pessoas, entre empresários e banqueiros.

Pura retórica, porque, ao que parece, Moro nunca recusou homenagem, seja a medalha MMDC de um movimento de direita de São Paulo, seja  prêmio da Globo ou da IstoÉ, onde apareceu na conversa ao pé de ouvido com Aécio Neves. Em Nova York, ele disse mais:

“Entendi que tinha um sentido importante. Presumo que este prêmio significa que o setor privado, em geral, apoia o movimento anticorrupção brasileiro e isso, com certeza, faz uma grande diferença.”

Moro tem motivos de sobra para saber que o setor privado se move por práticas à margem da legislação.

Antes da Lava Jato, ele jugou o caso Banestado, como ficou conhecido o escândalo que revelou a maior lavanderia de dinheiro de brasileiros, sobretudo os barões sonegadores do setor privado.

Na festa em Nova York, Moro foi ainda mais longe, ao se dar a importância de um estadista, e falou sobre a democracia brasileira:

“Apesar de dois impeachments presidenciais e um ex-presidente preso, não houve e não há sinais de ruptura democrática”, afirmou, em referência a Fernando Collor, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva.

Como se poderia classificar o movimento político-judicial que levou o PSDB, o partido do seu conviva Doria, derrotado nas urnas, ao poder através de Michel Temer?

Normalidade democrática?

Seria normalidade democrática a divulgação de escutas telefônicas da então presidente da república?

Seria normalidade democrática um processo de impeachment sem crime de responsabilidade?

Seria normalidade democrática a condenação de Lula sem provas?

Seria normalidade democrática a prisão de Lula mesmo não tendo ainda se esgotado todos os recursos?

Seria normalidade democrática a não julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de uma ação que reafirmaria a garantia legal de que os brasileiros só podem ser presos após sentença transitada em julgado?

Moro, como cidadão, vive a vida como quer, e diz o que pensa. Mas, como juiz, deveria obedecer a certos limites.

Se a democracia fosse plena no Brasil, os mecanismos de controle da magistratura já teriam entrado em operação.

Mas os tribunais superiores, temerosos sabe-se lá de que, rejeitaram todas as ações que denunciam arbitrariedades da parte do juiz.

O Conselho Nacional de Justiça não julga a reclamação contra ele por ter divulgado as escutas da presidente da república.

Seu comportamento, suas manifestações e tibieza dos órgãos de controle explicam por que a imagem da justiça está na lama.

A justiça brasileira é “pouco confiável ou nada confiável” para nove em cada dez brasileiros, segundo a pesquisa CNT/MDA.

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PS: Não é apenas coincidência que, ao mesmo tempo em que despenca a imagem da justiça no Brasil, aumentam as homenagens, palestras e conferências em entidades que supostamente conferem prestígio, principalmente nos EUA, como esta em que Moro foi agraciado com o título de Personalidade do Ano. Mais que prestígio, conferem poder.