Sergio Moro assina o prefácio de um novo livro chamado “Bem Vindo ao Inferno”. Fala da estilista Vana Lopes, uma das vítimas do médico e monstro Roger Abdelmassih.
Vana foi estuprada depois de uma consulta e teve a vida virada de cabeça para baixo. Com a saúde debilitada, separada do marido, resolveu ir atrás do paradeiro de Abdelmassih pelas próprias forças.
Depois de um famoso habeas corpus de Gilmar Mendes, Abdelmassih conseguiu fugir do país. Vana criou um perfil falso em redes sociais para obter informações, entre outras façanhas. Caçou implacavelmente seu algoz. A frase usada no título foi proferida por Vana quando o estuprador desembarcou no Brasil.
Passagens da história foram contestadas pelo produtor do programa Domingo Espetacular, da Record, Leandro Sant’Ana, tido como o responsável pela captura de Abdelmassih no Paraguai.
Mas a obra guarda surpresas mais sutis. O texto de Moro, assinado em conjunto com sua mulher Rosângela, faz uma defesa do que define como “dolus bonus: aquele bom dolo a objetivar (e buscar) o bem social supremo”.
“Fazer justiça com as próprias mãos é a clássica metáfora de irresignação à lei. Vana é a mãe espiritual de uma nova prática. Trata-se, agora, de fazer justiça com o próprio mouse, em que a cidadania conectada é a maior arma da justiça vigente: as redes sociais responsivas e responsáveis”, prossegue.
Metáfora não é bem isso, mas eis o estilo justiceiro de Moro. Para que procurar a polícia ou um advogado se você tem o Facebook? Celso de Mello, do STF, mencionou em 2007 “o interesse pessoal que o magistrado [Moro] revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca à disposição do poder público”.
O autor da obra é Cláudio Tognolli, blogueiro de direita, ghost writer das biografias de Romeu Tuma Jr. e Lobão. Titular de uma coluna no Yahoo, Tognolli é um mitômano contumaz com anos de estrada.
Tem obsessão por Lula e por uma suposta fraude nas urnas eletrônicas. Afirmou que Nicolás Maduro estaria presente nos protestos do dia 15 de março com o “exército de Stédile”, denunciou que um ministro da Venezuela veio armado ao país para dar aulas de tiro ao MST e montar uma milícia bolivariana. Isso apenas nos últimos meses.
As “notícias” vêm de suas fontes na Polícia Federal, sempre descritas como “autoridades”. Uma das principais é Francisco Carlos Garisto, que se apresenta como — em caixa alta — ADVOGADO-EX-GERENTE DE SEGURANÇA DA COPA DO MUNDO. Aposentado na PF, Garisto é fã de Olavo de Carvalho, odeia “petralhas” e amaldiçoou os senadores tucanos que foram aos EUA e não sabatinaram Luiz Fachin.
Tognolli convidou seus leitores no blog para o lançamento do livro no dia 14, quando haverá um debate “entre autoridades que ajudaram a prender Roger e o juiz do Petrolão, Sérgio Moro.”
Emplacou uma resenha amiga na Veja e outra no site Consultor Jurídico, onde foi “repórter especial”. A nota do Conjur menciona uma “rara aparição” de Sergio Moro, como se fosse uma figura discretíssima, um Howard Hughes do Paraná. Ali fica-se ciente também que o movimento Vem Pra Rua vai recepcionar o magistrado com flores brancas, de acordo com um convite que circula no Facebook. Seus membros estarão vestidos de verde e amarelo.
Quanta coinciência. Noves fora o conteúdo do prefácio, você pode argumentar que Moro não conhece o jornalista para quem escreveu. Dê-lhe a presunção da inocência — algo que ele propôs extinguir num artigo para o Estadão em abril.
Mas o inocente, no final das contas, é o leitor.