Publicado originalmente no blog do autor
Sergio Moro era citado, antes mesmo do início do governo, em 10 de cada 10 observações sobre a ameaça de aparelhamento do Estado por Bolsonaro.
O ex-juiz seria o subalterno escolhido a dedo, pelo histórico na Lava-Jato, para cuidar da bisbilhotagem nos aparelhos bolsonaristas.
Poderia ser de Moro a tarefa de montar a estrutura de polícia política, como suporte paralelo à área que cuida oficialmente da inteligência.
Moro tinha sob seu comando no Ministério da Justiça as estruturas do Coaf e da Polícia Federal. Se quisesse, acessaria informações importantes para o governo e a família de Bolsonaro.
Mas poucos sabiam da existência da tal Seopi, a Secretaria de Operações Integradas, que aparece agora como produtora de dossiês contra inimigos do governo. E aí pode estar a explicação para parte da missão que deveria ter sido assumida pelo ex-juiz.
A Seopi é apresentada na reportagem do jornalista Rubens Valente, do UOL, sobre as ações sigilosas que resultaram em junho na identificação de 579 servidores federais e estaduais, todos da área de segurança, que o governo considera perigosos militantes antifascistas.
Os inimigos denunciados no dossiê, conta Valente, são policiais civis e militares, penais, rodoviários, peritos criminais, papiloscopistas, escrivães, bombeiros e guardas municipais, aposentados ou na ativa.
O governo está monitorando, não se sabe em que medida, as opiniões e os movimentos (e as vidas?) dessas pessoas. Seus nomes circulam agora dentro do Planalto nas listas de gente que merece cuidado.
A Seopi é parte da estrutura de inteligência do governo, mas nem sempre foi. Era uma coordenadoria e ganhou status de secretaria com a chegada de Moro.
Esse detalhe a seguir é interessante. A coordenadoria atuava principalmente em investigações nos Estados em torno de crimes como pornografia infantil, pedofilia e exploração sexual. Dava suporte às ações das polícias estaduais e tinha suas tarefas sob acompanhamento da Justiça.
Rubens Valente conta que Moro chega e, pelo decreto presidencial 9662, de janeiro de 2019, transforma a coordenadoria em secretaria.
O órgão vai assessorar o ministro “nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração com os órgãos de segurança pública federais, estaduais, municipais e distrital”.
E a secretaria pode ainda “estimular e induzir a investigação de infrações penais, de maneira integrada e uniforme com as polícias federal e civil”.
O resultado prático, como se vê pela produção dos dossiês concluídos em junho, todos com os nomes e os retratos dos inimigos, é a transformação da Seopi em polícia política à margem dos controles da Justiça.
Além dos policiais antifascistas, estão no dossiê a que Valente teve acesso os nomes dos professores universitários Paulo Sérgio Pinheiro (integrante da Comissão Arns de direitos humanos, presidente da comissão independente internacional da ONU sobre a República Árabe da Síria desde 2011, com sede em Genebra, nomeado pelo conselho de direitos humanos da ONU, ex-secretário nacional de direitos humanos no governo de FHC e ex-integrante da Comissão da Verdade); Luiz Eduardo Soares (cientista político, secretário nacional de Segurança Pública no primeiro governo Lula e co-autor do livro “Elite da Tropa” [Objetiva, 2006]); e Ricardo Balestreri (secretário estadual de Articulação da Cidadania do governo do Pará e ex-presidente da Anistia Internacional no Brasil). Há também um quarto nome da academia, Alex Agra Ramos, bacharel em ciências políticas na Bahia.
Bolsonaro e Moro se desentenderam por causa dos controles sobre a Polícia Federal e sobre informações da área de inteligência. Fica claro que Moro saiu por não ter dado conta das demandas de Bolsonaro, sempre obsessivo com o trabalho de arapongas. Moro pode ter amarelado.
Circula que o ex-juiz estaria escrevendo um livro, com a ajuda da mulher, a advogado Rosângela Moro, sobre sua passagem pelo governo. Se fala dos rolos de Bolsonaro com gente da Polícia Federal, Moro não deve esconder o que sabe das ações da Seopi.
É provável que Bolsonaro tenha oferecido o birô da arapongagem paralela ao ex-chefe da Lava-Jato, que não se dedicou com afinco ao serviço, mas sabe como deveria funcionar.
A notícia do dossiê sobre os policiais e os professores (quantos dossiês existirão com nomes de outras áreas?) alerta o Brasil antifascista para que preste mais atenção no que acontece na Argentina.
A Justiça Federal já mandou prender mais de 20 espiões que trabalhavam como clandestinos durante o governo de Maurício Macri, todos orientados pela Agência Federal de Inteligência (AFI) e sob o comando da direção do órgão. Os espiões eram identificados alegremente pelo próprio grupo como a turma do Super Mario Bros.
Macri mobilizou os arapongas para que seguissem Cristina Kirchner, deputados, senadores, jornalistas, sindicalistas e outros inimigos do governo.
Alguns agentes da AFI já delataram comparsas. Qual é a semelhança entre o que acontecia lá e o que acontece agora dentro do governo de Bolsonaro?
Há sinais de ilegalidade. O Ministério Público pode tentar descobrir, antes que seja tarde e a estrutura montada por Bolsonaro somente se desfaça, como ocorreu na Argentina, no fim do governo.