Publicado originalmente no ConJur
POR LEONARDO ISSAC YAROCHEWSKI
O “projeto anticrime” apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, na segunda-feira (4/2), foi recebido com entusiasmo por boa parte da sociedade, de setores do Ministério Público, do Judiciário e da mídia. Entretanto, está sendo duramente criticado por vários institutos de Direito, Defensoria Pública, OAB, professores e juristas. Sem esmiuçar ponto a ponto da proposta — o que será feito oportunamente — é necessário, desde logo, deixar assentado algumas premissas.
O projeto parte de uma equivocada e ultrapassada fórmula de que o recrudescimento da pena, a criação de novos tipos penais, a mitigação de direitos e garantias e o endurecimento da execução penal levarão à redução da violência e da criminalidade.
A experiência legislativa demonstra, inequivocamente, que não há relação alguma entre leis que privilegiaram o endurecimento do sistema penal com a redução da criminalidade (vide a Lei 8.072/90, sobre crimes hediondos). Pelo contrário, medidas baseadas na política criminal da “lei e da ordem” têm levado ao encarceramento em massa, principalmente dos mais vulneráveis, e ao colapso do sistema penal. Não é demais martelar que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta e a que mais cresce proporcionalmente.
Em alerta aos punitivistas, Tiago Joffily e Airton Gomes Braga já destacaram que “o problema é que a imaginada correlação entre encarceramento, de um lado, e redução da criminalidade, de outro, nunca foi demonstrada empiricamente. Ao contrário, as mais recentes e abrangentes pesquisas empíricas realizadas sobre o tema apontam para a inexistência de qualquer correlação direta entre esses dois fenômenos, havendo praticamente consenso entre os estudiosos, hoje, de que o aumento das taxas de encarceramento pouco ou nada contribui para a redução dos índices de criminalidade”.
No Brasil, as últimas décadas foram marcadas por uma verdadeira “inflação legislativa”. A nomorreia penal (Carrara) se deve à uma série de fatores, que vão desde o forte apelo popular, passando pela influência midiática e até a demagogia dos legisladores. Lamentavelmente, o chamado “populismo penal” vem dominando a política criminal atual. As leis penais no Brasil são elaboradas sem qualquer verificação prévia e empírica de seus verdadeiros impactos sociais e econômicos.
A cultura punitiva — revelado no projeto em comento — que se traduz no uso abusivo e sistemático da pena privativa de liberdade abandona princípios fundamentais insculpidos na Constituição da República, como o da estrita legalidade, da intervenção mínima e da presunção de inocência.
O problema da criminalidade, no dizer de Hassemer e Muñoz Conde[2], é, pois, antes de tudo, um problema social e vem condicionado pelo modelo de sociedade. Seria ilusório, por tanto, analisar a criminalidade a partir de um ponto de vista natural, ontológico ou puramente abstrato, desconectado da realidade social em que a mesma surge.
Do ponto de vista criminológico, para a compreensão da criminalidade, é necessário estudar a ação do sistema penal, iniciando pelas normas abstratas até a ação das chamadas instâncias oficiais (polícia, Ministério Público, juízes e o sistema penitenciário).
Numa sociedade de classes, destaca Nilo Batista, “a política criminal não pode reduzir-se a uma ‘política penal’, limitada ao âmbito da função punitiva do estado, nem a uma ‘política de substitutivos penais’, vagamente reformista e humanitária, mas deve estruturar-se como política de transformação social e institucional, para a construção da igualdade, da democracia e de modos de vida comunitária e civil mais humanos”.
Por tudo, acreditar-se que o “projeto anticrime” que focou exclusivamente em uma equivocada política criminal, voltada tão-somente para repressão, com flexibilização de direitos, deva ser rejeitado. A sociedade, goste ou não, precisa compreender que a melhor política criminal é justamente aquela da substituição do Estado penal pelo Estado do bem-estar social.