Por Jeferson Miola
No último dia 16/3, o ministro do STF Alexandre Moraes mandou a Polícia Federal apurar eventual vinculação do vereador de São Paulo Fernando Holiday, do Republicanos, partido do general Mourão, com os atentados de 8 de janeiro.
A decisão de Moraes atendeu à reclamação da bancada feminista do PSOL na Câmara de Vereadores da capital paulista contra decisão da PGR de enviar a denúncia para a primeira instância da justiça, sob a justificativa de que Holiday não tem foro no STF.
Moraes, no entanto, entende que as condutas do vereador extremista “em tese se relacionam com diversas investigações em andamento nesta Suprema Corte, de modo que o declínio de competência nesse momento seria absolutamente prematuro”.
De modo análogo à decisão sobre o vereador Fernando Holiday, o STF precisa avaliar a pertinência em também incluir no inquérito sobre o 8 de janeiro o ministro do TCU Augusto Nardes, em decorrência de revelações que ele próprio fez em áudio levado ao conhecimento público em 20/11/2022, que teve ampla circulação na imprensa nacional.
Os motivos para Nardes ser investigado, responsabilizado e, uma vez comprovada sua culpa, ser condenado, são abundantes:
- no áudio [íntegra da transcrição ao final deste texto], Augusto Nardes demonstrava estar muito bem informado que “está acontecendo um movimento muito forte nas casernas” e que teria “desenlace bastante forte na Nação”, segundo suas palavras.
“É o pior momento que a Nação vai viver, mas talvez seja importante para poder recuperar”, afirmou em tom profético;
2. os atentados de 12 e 24 de dezembro de 2022 e o 8 de janeiro em Brasília confirmam que as previsões/profecias do ministro Nardes estavam corretas. E confirmam, também, que o ministro Nardes tinha conhecimento prévio a respeito da trama articulada “nas casernas” e sugere ter participado das articulações, como se observa no áudio gravado para defensores do golpe:
a. “Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana …”;
b. “Eu não posso falar muito até porque, sim, tenho muitas informações, …”;
c. “Não vou me alongar mais, tenho muitas informações especialmente para o grupo do agro, mas eu acho que é o grande momento …”;
3. o ministro Nardes tem uma a trajetória político-partidária e institucional vinculada à ditadura militar [iniciou carreira na ARENA, partido de sustentação do regime], aos militares e a setores de direita e extrema-direita do passado e da atualidade. O próprio Nardes se gaba disso, ao revelar em várias passagens no áudio:
a. “eu estive na época [da ditadura] conversando com Ernesto Geisel, com os líderes da época, João Figueiredo …”;
b. “Fiz a minha parte. Em 2014, eu era presidente [do TCU]” quando o TCU inventou a farsa das pedaladas fiscais para derrubar a presidente Dilma;
c. “para o teu time aí do agro que eu conheço todos os líderes e sei da importância do agro.”;
d. “quando lá atrás [1999] negociamos a securitização eu era o líder da bancada ruralista, articulei a união em 17 estados pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em 1999. Queimamos máquinas, tratores, fizemos um escarcéu.
Com base em vandalismos precedentes nos quais tomou parte, o ministro se regojiza de ser uma espécie de guia para os adeptos do golpe: “Então conheço todos os passos que temos que fazer. …”, ele afirmou;
4. Nardes revela possuir uma avaliação sobre a conjuntura e, portanto, sobre o tipo de ação violenta a ser adotada para enfrentar aquele que será “o pior momento que a Nação vai viver”, que é comum à visão propagada publicamente pela extrema-direita e por lideranças golpistas – civis e militares – implicadas nos crimes contra os Poderes da República e a institucionalidade democrática:
a. “… mas tudo está muito nebuloso em relação ao futuro do país.”;
b. “E eu fico aqui, como magistrado, procurando olhar a árvore e a floresta. A floresta, se não for tomado medidas bastante fortes, ela está indo pra um processo de ser incendiada aos poucos.”;
c. “Acordar, despertar, ter fé e crença, como nós tivemos lá em 2015 apresentando pela primeira vez um processo que desmontou, de certa forma, essas estruturas que eles conseguiram remontar agora”.
Absurdamente – e ilegalmente –, até o presente, decorridos quase quatro meses desde que conhece o áudio de conteúdo criminoso divulgado por esse ministro que integra a Corte, o TCU ainda não abriu apuração formal sobre o caso. Seus colegas no máximo repudiaram as declarações golpistas dele, mas não instauraram procedimento de investigação, como manda a Lei 8112/1990.
É mais grave e ainda mais absurda a complacência do TCU. Nardes não só continua despachando normalmente no Tribunal, como recebeu a relatoria da denúncia sobre as jóias e diamantes roubados da União por Bolsonaro e delinquentes fardados – ato que representa uma verdadeira bofetada na democracia.
Se a justiça vale para todos, Nardes tem de ser investigado no mesmo inquérito do STF que apura a responsabilidade daqueles que atuaram e contribuíram para “o pior momento que a Nação vai viver”, conforme ele próprio previu com razoável exatidão e antecedência.
Transcrição do áudio do ministro Augusto Nardes [20/11/2022]:
“Estimado Sartori, como eu sou magistrado e julgo muitas coisas que estão acontecendo no Brasil, praticamente muita coisa passa pelo
Tribunal de Contas da União, somos nove lá, e a situação é bem complexa, muito complexa. É o pior momento que a Nação vai viver, mas talvez seja importante para poder recuperar… até pelo depoimento desse caminhoneiro que mostra a visão que todo mundo está tendo, não há mais… Os intelectuais da Nação hoje você consegue escutar o que a gente vem pensando há muito tempo das pessoas mais humildes da Nação e que têm uma visão clara do conjunto do país. Que nós somos hoje sociedade conservadora, que não aceita as mudanças que estão sendo impostas e que despertou. Isso é muito importante.
Lá nos anos 80, quando eu voltei da Europa eu tentei criar um movimento com um grupo de especialistas e um professor de direito constitucional, César Saldanha Júnior, que hoje já está um pouco fora de combate aí em Porto Alegre, para contrapor toda essa transformação que acabou acontecendo no Brasil. Criamos um instituto, enfim, fazíamos aulas pra defender a economia de mercado, capital, mas fomos superados pela incompetência de todos nós, claro que lutamos muito, eu estive na época conversando com Ernesto Geisel, com os líderes da época, João Figueiredo, que não tiveram uma visão de que tínhamos que fazer uma transição com um parlamentarismo, e escolher um primeiro-ministro e fortalecer a economia de mercado com princípios que pudessem nortear a Nação.
Agora veio o Bolsonaro, que despertou a sociedade conservadora e hoje todo mundo está nas ruas aí fazendo a sua defesa desses princípios. Demoramos, mas felizmente acordamos. Demoramos, mas felizmente acordamos.
Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na Nação; imprevisíveis, imprevisíveis. Portanto a fala desse cidadão é pra despertar o produtor rural também porque não adianta só caminhoneiro trabalhar.
Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da Nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas.
Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana, ele não tá bem, tá com a ferimento na perna, uma doença de pele bastante significativa, mas tem esperança ainda, né? Tem esperança de pode ser recuperar e melhorar a sua situação física, e certamente terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país. Se vai haver alguma mudança em relação a isso? Só que haja uma capitulação por parte de alguns integrantes importantes e dirigentes que tudo se sente que vai pra um conflito social na Nação brasileira.
Eu não posso falar muito até porque, sim, tenho muitas informações, mas queria passar pra ti, Sartori, e para o teu time aí do agro que eu conheço todos os líderes e sei da importância do agro.
Até quando lá atrás negociamos a securitização eu era o líder da bancada ruralista, articulei a união em 17 estados pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em 1999. Queimamos máquinas, tratores, fizemos um escarcéu. Fizemos até carreteiro aqui pra mais de 2 mil pessoas junto com meu estimado amigo Sperotto e tantos líderes que aí acompanham junto com você esse time do agro Brasil. Então conheço todos os passos que temos que fazer.
Fiz a minha parte. Em 2014, eu era presidente [do TCU], alertei a presidente [Dilma Rousseff] em 2012, 2013 o que ia acontecer no país, infelizmente nao conseguimos diálogo na época. Porque eles nunca aceitaram o diálogo, eles foram pro confronto e agora é um confronto decisivo, eles vão vir para um confronto que nós todos sabemos quais são as consequências, mas nós tomamos uma decisão importantíssima em 2015, quando eu tive a coragem em 130 anos, pela primeira vez, de tomar uma atitude de reprovar as contas, porque encontramos 340 bilhões em 2015 e 2016 de irregularidades na Nação. E tudo se mostra que vai acontecer novamente.
Ou seja, princípios de estabilidade fiscal não vão ser postos, a não ser que a sociedade faça muita pressão e que haja mudança, mas tudo está muito nebuloso em relação ao futuro do país. Não vou me alongar mais, tenho muitas informações especialmente para o grupo do agro, mas eu acho que é o grande momento, baseado no que falou esse caminhoneiro lá de Sinop, de que é necessário acordar todo o Brasil. Acordar, despertar, ter fé e crença, como nós tivemos lá em 2015 apresentando pela primeira vez um processo que desmontou, de certa forma, essas estruturas que eles conseguiram remontar agora, baseado na estrutura que tinha já ficado, que foi muito longa. Imagina eles com mais quatro anos de governo o que vai acontecer na Nação. Não sei. Vai depender da sociedade se reerguer, retomar a sua força, saber da sua força, saber da sua força. A sociedade sabe da sua força, mas não tinha despertado. Hoje nós estamos despertos, esperamos poder avaliar melhor a Nação.
E eu fico aqui, como magistrado, procurando olhar a árvore e a floresta. A floresta, se não for tomado medidas bastante fortes, ela está indo pra um processo de ser incendiada aos poucos. Turra, meu colega, homem de fé, de criança, tantos que eu poderia falar aqui, vários políticos, várias pessoas que têm capacidade de auxiliar nesse momento tão dramático da Nação. Grande dia.
Os próximos dias serão nebulosos e o que vai acontecer de desdobramento não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias.
Um abraço”.
Publicado no blog do autor