A delação de um diretor da Odebrecht que envolve o ex-governador Aécio Neves no esquema de corrupção milionária para a construção da Cidade Administrativa pode ser a peça que faltava num quebra-cabeça que o Ministério Público de Minas Gerais tenta montar desde 2007, quando recebeu a denúncia de que as cartas estavam marcadas na maior licitação do governo da época.
Naquele ano, a promotora Elisabeth Vilella recebeu em seu gabinete um diretor da empreiteira Convap, que fazia parte do Consórcio liderado pela Construcap, com a denúncia de que houve fraude na concorrência para a construção da Cidade Administrativa, que custou aos cofres públicos de Minas Gerais 2,1 bilhões de reais.
O consórcio do qual faziam parte Construcap e Convap apresentou uma proposta que tinha o menor preço, mas ainda assim foi desclassificado. A Convap fez a denúncia ao Ministério Público e a Construcap foi à Juistiça e, mediante uma liminar, conseguiu ter seu nome incluído na relação dos licitantes.
Mas, por uma decisão do governo, a licitação foi suspensa até que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais derrubou a decisão de primeira instância. Foi então que um representante do consórcio Construcap/Convap procurou o Ministério Público de Minas Gerais e denunciou a trama, num depoimento formal.
O representante do consórcio deixou com a promotora Elisabeth Cristina dos Reis Villela o envelope com sua oferta na licitação. Era menor que todas as outras.
Ao mesmo tempo, a Construcap continuou com seu recurso no Poder Judiciário. Três anos depois, a Construcap desistiu do recurso, na mesma época em que assinou com o governo de Minas Gerais o contrato de Parceria Público Privada para administrar o Mineirão pelos 25 anos seguintes.
Com a desistência da Construcap na esfera judicial, o inquérito civil público perdeu força e, por decisão da promotora Raquel Pacheco, que havia herdado o caso, foi arquivado até o surgimento de novas provas.
As novas provas surgem agora, na delação da Odebrecht.
O presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedito Júnior, contou “se reuniu com Aécio Neves (PSDB-MG) para tratar de um esquema de fraude em licitação na obra da Cidade Administrativa para favorecer grandes empreiteiras”, segundo a Folha de S. Paulo.
Depois da reunião, Benedito foi orientado a procurar o presidente da Codemig (empresa do governo de Minas que construiu a Cidade Administrativa), que definiu o valor da propina a ser paga para o esquema de Aécio Neves: 2,5 a 3% do valor do contrato.
O presidente da Codemig era Oswaldo Borges da Costa Filho, o mesmo que a Construcap denunciou em 2007, por fraude na licitação.
“Com a delação da Odebrecht, a história fecha. Se quiserem esclarecer os fatos, é só desarquivar o inquérito civil, e acho que o Ministério Público de Minas Gerais não terá como fugir disso”, diz uma autoridade que acompanhou o depoimento do diretor da Convap.
Oswaldo Borges da Costa Filho é genro do banqueiro Gilberto de Andrade Faria (banco Bandeirantes), que morreu em 2008 e era casado com a mãe de Aécio – portanto, padrasto do senador.
Ele também foi “tesoureiro informal” da campanha de Aécio, segundo a denúncia de mais de um empreiteiro ouvido na Lava Jato.
Ao tomar posse de seu primeiro mandato como governador de Minas, Aécio chegou à Assembleia Legislativa num Rolls Royce, que, soube-se depois, estava em nome do seu “tesoureiro informal”.
Durante muito tempo, a Cidade Administrativa foi a grande vitrine do governo Aécio Neves.
Foi apresentada como resultado do “choque de gestão”, e quando ele a inaugurou, em 2010, convidou muita gente, inclusive o ministro do STF, Gilmar Mendes, ao lado de quem Aécio aparece na revista Fotos & Festa (estilo Caras, edição número 51, de março de 2010).
Na mesma edição da revista, Aécio é retratado em outra solenidade, a de transmissão do cargo de governador para Antonio Anastasia. Numa das fotos, um Aécio sorridente está ao lado do amigo Luciano Hulk e da atriz Maitê Proença.
Aécio deixou o governo, mas não a relação estreita com seu “tesoureiro informal”. Eleito senador, ele foi visto algumas vezes se deslocando no jato PT-GAF (as iniciais de seu padrasto, Gilberto de Andrade Faria, então já falecido).
O avião particular, que alguns adversários chamavam de AeroAécio, pertencia a uma empresa que também estava registrada em nome do seu “tesoureiro informal” e de Cemente Faria — filho do padrasto de Aécio –, a Banjet.
Ao se defender agora da delação do presidente da Odebrecht Infraestura, de que participou do conluio para beneficiar empreiteiras na construção da Cidade Administrativa, juntamente com Oswaldo Borges, Aécio divulgou em que nega as acusações e diz:
“O edital de construção da Cidade Administrativa foi previamente apresentado ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado e as obras auditadas durante sua execução por empresa independente contratada via licitação pública, não tendo sido apontada qualquer irregularidade durante todo o processo”.
Curioso: em 2013, o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que foi casado com uma prima de Aécio e tem três filhos com sangue Neves, foi homenageado num seminário organizado pelo Tribunal de Contas da União. O motivo: sua gestão era exemplo de retidão fiscal e seu governo, o único a submeter editais de licitação previamente aos Tribunais de Contas.
Hoje, Sérgio Cabral é presidiário de Bangu, acusado de assaltar os cofres públicos. Aécio continua com o discurso comum dos dois, o “choque de gestão”.
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PS: A notícia do inquérito civil público com a denúncia da Construcap/Convap de que houve fraude na licitação para a Cidade Administrativa foi publicada pelo site Novo Jornal, de Minas Geais, que foi tirado do ar depois de uma ação movida por policiais e promotores ligados ao grupo de Aécio Neves. Seu proprietário, Marco Aurélio Carone, acabaria preso durante nove meses, em 2014, durante a campanha de Aécio a presidente. Carone nunca foi condenado e, no entanto, durante seu cárcere, passou três meses em isolamento total.
Procurei a Construcap, à qual adiantei por escrito os principais pontos da reportagem. Entrei em contato também com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais. A assessoria da construtora disse que nenhum diretor foi localizado para comentar. O Ministério Público ainda não se pronunciou sobre o desarquivamento do inquérito civil público, mas uma fonte do MP revelou que o órgão prepara a divulgação de uma nota, para dizer que, em 2016, outro inquérito foi aberto e a licitação da Cidade Administrativa já está sendo, outra vez, investigada.
A promotora que tocava o inquérito, Raquel Pacheco, pediu para sair da Promotoria Pública, depois que um colega seu, Eduardo Nepomuceno, que investigava a família do Zezé Perrella, foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público, com remoção compulsória.