Uma parceria envolvendo o Consórcio Nordeste por meio do governo do Rio Grande do Norte, a Associação Internacional para a Cooperação Popular (AICP), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Universidade Agrícola da China e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas chinesa deve trazer ao Brasil 25 máquinas voltadas à agricultura camponesa.
A vinda de uma delegação de 14 representantes da universidade chinesa ao Brasil entre a última segunda-feira (10) e a esta terça (18) é o mais recente capítulo de um intercâmbio de conhecimentos e tecnologia entre as entidades de ambos os países. A relação se estreitou há cerca de um ano e meio.
Com o objetivo de conhecer a realidade da agricultura familiar brasileira, a delegação chinesa passou pela Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST e, em seguida, um grupo foi para a Bahia e outro para o Rio Grande do Sul. No Nordeste, visitaram as unidades produtivas do MST no município de Prado (BA) e a Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto. No Sul, passaram pelas cooperativas da cadeia de produção de arroz orgânico do movimento.
Em seguida, os integrantes da Universidade Agrícola da China – que lidera a plataforma de cooperação internacional B&R Instituto Internacional de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente – foram ao Rio Grande do Norte. Ali, visitaram a cidade de Apodi (RN), que vai sediar a unidade demonstrativa onde as máquinas agrícolas de diferentes modelos devem chegar e ser testadas em novembro.
“A sede será no município de Apodi (RN), mas também vai ser possível que essas máquinas sejam testadas em outras regiões do Nordeste, espaços de cooperativas, assentamentos da reforma agrária e centros de formação. A ideia é que num prazo de dois anos sejam testadas a qualidade, a capacidade de adaptabilidade com implementos que já existem aqui no Brasil e as condições com a agricultura camponesa”, explica Luiz Zarref, pesquisador da AICP.
A delegação asiática encerra a viagem na capital do Brasil, com uma reunião sobre projetos de cooperação com a Universidade de Brasília. “Também vão ser recebidos por membros do governo federal responsáveis pela pauta da mecanização agrícola, dos bioinsumos da diversificação genética das sementes para alimentos”, diz Zarref.
Desigualdade no acesso à mecanização
“Esse processo de cooperação é no sentido de a gente superar uma lacuna histórica no Brasil no que se refere ao processo de mecanização e acesso à tecnologias pela reforma agrária”, avalia Débora Nunes, da direção nacional do MST.
Entre os produtores da agricultura familiar no Brasil, 88% trabalha manualmente, contando apenas com a ajuda de animais. Os dados são do último Censo Agropecuário, divulgado em 2017.
Segundo o levantamento, no Nordeste a desigualdade no acesso à tecnologia é mais acentuada. A região concentra cerca de 50% da agricultura familiar de todo o país. Apenas 1,5% destes camponeses trabalha com maquinário.
“A mecanização traz resultados que envolvem outras dimensões da vida. É também um fator fundamental para a gente enfrentar o debate da própria sucessão rural. De fato, nossa juventude quer permanecer no campo. Mas quer permanecer no campo com condições de acesso à educação e ao trabalho”, expõe Nunes. “É uma geração que tem acesso a outras tecnologias e quer ver isso sendo aplicado também no processo produtivo”, completa.
O intercâmbio com a China
Em setembro de 2022, quando autoridades chinesas e brasileiras assinaram o Memorando de Entendimento sobre cooperação em mecanização e energia agrícolas, se deu o início formal desta parceria.
As trocas já haviam começado ao longo da pandemia, com webinários conjuntos que contaram com a presença de professores chineses como Yang Minli e Wang Fengde. Entre os temas, a história da mecanização agrícola e o desenvolvimento desta indústria na China.
O acordo foi firmado entre o Consórcio do Nordeste, que representa os nove estados da região, a plataforma de inovação internacional da Universidade Agrícola da China e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas chinesa. Esta última é uma organização industrial formada pelas principais fabricantes de máquinas agrícolas do país asiático.
A ponte foi facilitada pela AICP, organização sem fins lucrativos criada por movimentos populares da América Latina, África e Ásia no intuito de combater a fome, promover formações técnicas e intercâmbio tecnológico para a agroecologia.
A parceria foi reforçada em solo chinês por João Pedro Stedile, liderança do MST, e a governadora do RN, Fátima Bezerra (PT), quando visitaram o país junto com a comitiva do presidente Lula (PT) em abril.
Instalação de fábricas no Brasil
A expectativa, segundo a AICP, é que, como desdobramento deste processo, fábricas que produzam máquinas para a agricultura camponesa se instalem no Brasil.
“Depois da fundação da República Popular da China em 1949, a mecanização agrícola se desenvolveu rapidamente”, explica documento da Associação Internacional para a Cooperação Popular. “Atualmente existem mais de 1.600 empresas de máquinas agrícolas que proporcionam apoio técnico e equipamento para garantir a segurança alimentar”, afirma a entidade.
“A intenção está casada com aquela do próprio governo Lula, que está nesse processo de retomada da industrialização nacional. Temos o objetivo que, com essa aproximação da tecnologia chinesa, fábricas de lá sejam atraídas para o Brasil”, defende Zarref.