Em Brasília, pouco mais de uma centena de fanáticos enrolados em bandeiras do Brasil resistem às pancadas de chuva que se abatem, a cada 12 horas, sobre a capital da República, como é de praxe no período das monções, no Planalto Central. Na última vez que foram enganados, havia quase mil, quando meia dúzia de boçais espalhou pelo acampamento, em frente ao Quartel General, que carros blindados do Exército haviam impedido Rolls Royce presidencial de chegar ao Palácio do Planalto.
Era 1º de janeiro de 2023 e Lula, portanto, estaria impedido de subir a rampa. Irrompeu-se uma histeria coletiva, a última da temporada, com patriotas aos berros, louvações divinas, fanáticos ajoelhados com as mãos voltadas aos céus, abraços, choro, um mergulho final nesse delírio bolsonarista – patético, risível, repulsivo – com o qual o Brasil e o mundo tiveram, e ainda têm, que conviver.
Foi dessa cidadela de tendas e maus bofes, habitada por cidadãos e cidadãs fanatizados pela enxurrada de fake news produzida pelo esgoto bolsonarista, que saíram, primeiro, os terroristas que tocaram fogo em Brasília, no dia da diplomação de Lula. Queimaram carros, ônibus, espalharam botijões de gás pela cidade, depredaram uma delegacia da Polícia Civil e tentaram invadir a sede da Polícia Federal para libertar um cacique xavante de araque, supostamente o gatilho detonador da balbúrdia. De lá, voltaram para o acampamento, sem serem incomodados. Mais tarde, do mesmo lugar, brotou George Washington, o terrorista que pretendia explodir um caminhão de querosene, no aeroporto da capital federal.
Passados quatro dias da posse de Lula, o acampamento do QG ainda mantém a tal centena de patriotas, mas o combustível que mantinha animado o coreto do golpe passou a ser racionado. Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos e ainda não se conseguiu criar uma narrativa capaz de, realmente, convencer até os mais fanáticos de que a fuga faz parte de um plano mirabolante que inclui o mandato secreto do inefável general Augusto Heleno, a partir de um bunker também secreto instalado no Palácio da Alvorada.
Tanto no QG de Brasília como na frente de outros quartéis, Brasil afora, a arma mais poderosa que os bolsonarista ainda têm nas mãos é a inércia do governo federal, paralisado por uma disputa interna entre o Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino, e o da Defesa, timidamente ocupado por José Múcio. Dino quer, sempre quis, a desocupação imediata do que ele mesmo classificou de “incubadoras de terroristas”. Múcio, festejado pela tropa bolsonarista, aposta na dissolução natural do que ele vê como melíflua “manifestação democrática”.
Por incrível que pareça, Múcio tem levado a melhor sobre Dino.
O mesmo Múcio, chefe das Forças Armadas, que não teve autoridade para mandar um almirante, Almir Garnier Santos, passar o comando da Marinha para um outro, Marcos Sampaio Olsen. Isso porque Garnier, simplesmente, bateu o pezinho e falou que não iria. O mesmo Múcio que está prestes a ser acionado, via Justiça, pelo grupo Prerrogativas, para fazer o que já deveria ter sido feito desde o primeiro dia de governo: varrer esses acampamentos golpistas da frente dos quartéis.