Na Itália, crianças ganham pontos no boletim por usar bike. Aqui, são comunistas. Por Mauro Donato

Atualizado em 28 de dezembro de 2015 às 9:34
Enquanto isso, na Itália
Enquanto isso, na Itália

 

Fascista (adj. s. 2g) – Qualquer pessoa que não ande de bicicleta ou não tenha votado no PT. ”

Enquanto o ‘glossário do ano’ da revista Veja desta semana insiste em reforçar a imbecilidade de classificar os adeptos da bike em comunistas vagabundos, eleitores do PT, beneficiários do BNDES, a cidade italiana de Aprilia (próxima a Roma) incentiva os alunos a utilizarem a bicicleta de três a quatro vezes por semana para ir à escola. A recompensa? Pontos no boletim.

A ideia partiu do aluno Lorenzo Catalli, que no trajeto feito diariamente a bordo do carro do pai levantou a questão de como a vida se tornaria mais simples e menos estressante se todos pudessem dispensar o automóvel. Os dois criaram um esboço do projeto que posteriormente foi apoiado e desenvolvido pela Università La Sapienza, em Roma: um dispositivo instalado na bicicleta faz o registro de data, horário e a distância percorrida e calcula a quantidade de emissão de gás carbônico que seria lançada no ar se feita por carro.

As pedaladas são convertidas em pontuação como ‘prática de atividades extracurriculares’ e acrescidas na média final do aluno o que colabora na nota do Exame de Estado (algo semelhante ao nosso Enem que visa o ingresso no ensino superior). Exigência: mínimo de frequência de três vezes por semana indo de bicicleta para a escola. Batizado Bike Control, o sucesso foi tanto que a prefeitura deu apoio e financiou a campanha e lojas de bicicleta dão descontos para os alunos participarem do programa.

Não é um caso isolado, longe disso. Por todo o país o projeto Bici a Scuola é um conjunto de medidas que buscam incentivar o uso do meio de transporte sustentável entre os mais jovens. E também não é de hoje.

Desde 2013 a escola Merelli (Roma) promove a iniciativa de que pelo menos uma vez por semana pais pedalem com seus filhos até a instituição;

Na cidade de Cremona, a prefeitura cede bicicletas para os estudantes fazerem parte do projeto. Fornecidas em regime de comodato, a condição é que as magrelas devem receber manutenção dos próprios jovens e utilizadas em atividades didáticas externas;

Em Veneza, um projeto chamado Presto estimula pais e alunos a utilizarem suas bikes e isso conta pontos no GreenMile (milhas verdes) uma iniciativa de educação ativa à mobilidade sustentável. O acúmulo das milhas resulta em prêmios para as escolas e classes vencedoras na pontuação;

Em Milão, o Bici a Scuola foi tão bem aceito que desde outubro do ano passado pais decidiram organizar grupos para levarem seus filhos pequenos à escola juntos. Desdobramento: já há jovens voluntários realizando a tarefa de acompanha-los e o clima é de passeio;

Na cidade de Sestu (Cagliari), desde 2012 alunos de todas as séries recebem curso instruindo-os a fazerem uso do meio de transporte ecológico. Desde a escola primária as crianças aprendem regras de trânsito, sinalização dedicada a bicicletas e também manutenção simples.

Lembre que estamos falando de um país onde o ciclismo é um dos esportes mais populares (aliás o Bici a Scuola é uma iniciativa nacional apoiada pelo Giro d’Italia), onde o uso cotidiano da bicicleta é difundido há muitas gerações. Importante saber também que o sistema de avaliação nas escolas italianas, além das costumeiras provas, já conta com uma variedade de atividades extracurriculares que podem ser contabilizadas no ‘crédito de formação’, como a realização de trabalhos voluntários por exemplo, e ainda assim o uso da bicicleta se transformou em mais uma e de grande sucesso.

Por que no Brasil nada se faz nesse sentido, não se pensa em algo parecido? Temos ainda a vantagem do clima que propicia o uso da bike durante o ano todo, enquanto na Itália o inverno é rigoroso, com neve em muitas regiões. Então, repito, por quê?

É que a despeito de todas as vantagens e benefícios que a adesão a bicicleta traz em termos de respeito ao meio ambiente, de mobilidade sustentável, com todas as consequências positivas para o clima global, por essas bandas o uso da bike se transformou em peleja ideológica e ninguém quer ver seu filho ser xingado e atacado por uma besta motorizada e reacionária que acredita que a rua seja dele e que as ciclofaixas serem vermelhas são mais um sinal evidente do bolivarianismo instalado.

Ao passo que em muitos lugares pais e filhos estão pedalando juntos rumo à escola, no Brasil alguns genitores vão para a avenida ensinar suas crianças a xingarem políticos e ciclistas. Uma cretinice que só prejudica a todos. Mais bicicletas significa menos poluição, vida mais saudável, cidade mais amistosa.

Enquanto no mundo todo a bicicleta é um meio de transporte estimulado, aqui a revista Veja abastece seu leitor com o que há de mais retrógrado e burro.