Na polêmica sobre a babá dos protestos, sobrou para as serviçais de Glória Maria. Por Marcos Sacramento

Atualizado em 16 de março de 2016 às 10:45
Glória Maria e suas babás
Glória Maria e suas babás

 

A polêmica em torno da foto da família acompanhada por com uma babá negra e uniformizada nos protestos do último dia 13 provocou uma curiosa onda de solidariedade.

A atitude mais diligente foi de algum revoltado online que garimpou e espalhou uma foto de Glória Maria passeando com as duas filhas escoltadas por babás uniformizadas. O tom da pele das funcionárias, mais claro do que a da jornalista, contribuiu para que a foto fosse usada como resposta ao flagrante do casal de manifestantes.

Houve quem manifestasse apoio em posts nas redes sociais:

“E não tem nada de errado mesmo. Vejo um casal de classe média alta e a babá do seus dois filhos, que está sendo paga pra fazer aquilo ali. Aposto que ela está muito feliz por estar trabalhando em plena crise”, disse uma usuária do Facebook.

Outro internauta lançou no Twitter:

“Sabe o que aconteceria com a babá se não fosse cuidar de bebê no protesto? Seria mais uma desempregada graças a petistas.”

O empenho de certos internautas em entrar numa cruzada em defesa da família Pracownik revela duas questões intrigantes.

A primeira é evidente: na agenda de quem se manifesta “contra a corrupção” e pelo impeachment da presidente Dilma não há espaço por lutas pelo fim da desigualdade social.

Entre as críticas à fotografia, uma das mais corriqueiras e pertinentes refere-se simbolismo da imagem, que remete a uma relação arcaica de trabalho com origens no passado colonial, e para piorar justamente no momento de uma manifestação por mudanças na política.

O flagrante apresenta um esquema comum no cotidiano das grandes cidades: família de classe alta, branca, com os filhos carregados por uma babá uniformizada e em geral negra.

O cidadão que foi atrás da imagem de Glória Maria e os demais que compartilharam com a intenção de desconstruir as críticas contra os Pracownik não se importam com as relações que estão por trás daquela prestação de serviço.

Da mesma forma, revoltados que manifestavam na avenida Paulista não tiveram escrúpulos e empatia ao usar um senhor em situação de rua como adorno para suas revoltas, como relatou Pedro Zambarda aqui no DCM.

A outra questão é que muitos, provavelmente a maioria dos que defenderam os Pracownik estão socialmente mais próximos da serviçal do que da família carioca, como lembrou o filósofo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo Maurício Abdalla em seu perfil no Facebook.

“Deixe de vergonha e caia na real: compare a distância de seu salário com um e com outro e provará o que estou falando: o homem do casal é banqueiro. Um diretor de banco mais pobrezinho ganha, no mínimo, de 50 a 60 vezes mais que a maioria das pessoas que estão lendo esta postagem. Duvido que alguém aqui ganhe 50 vezes mais que uma babá. A maioria de nós não chega a ganhar sequer 10 vezes mais que a babá. Se ganha 5 vezes já é muito”.

São muitos os motivos dessa empatia seletiva. Vão desde o racismo puro e simples até questões de cunho freudiano. A imprensa tradicional também tem sua parcela de culpa, conforme aquela frase viral que define notícia como sendo “pessoas ricas pagando pessoas ricas para dizer às pessoas da classe média para culpar pessoas pobres”.

Se são “Casa Grande & Senzala”, Freud ou o fenômeno Jornal Nacional que explicam, não tenho como dizer.

Só digo que defender diretor de banco e fechar os olhos para os abismos socioeconômicos que atravancam o progresso do país é uma canalhice das grandes.