Publicado originalmente no blog do autor
POR MARCELO AULER
Além de pleitear junto à Vara de Execuções Penais autorização para visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – pedido ainda pendente de despacho da juíza Carolina Mouro Lebbos – o argentino Adolfo Pérez Esquivel decidiu fazer uso da prerrogativa que tem como Prêmio Nobel da Paz e presidente de Organismo de Tutela Internacional dos Direitos Humanos para realizar uma inspeção na sede da Superintendência da polícia Federal de Curitiba.
Esquivel é presidente do Serviço de Paz e Justiça – SERPAJ América Latina, organismo de direitos
humanos, consultivo das Nações Unidas e UNESCO. Como tal, pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, tem a prerrogativa de realizar inspeções, conforme alegam as advogadas Tânia Mara Mandarino e Ivete Caribé da Rocha que o representam em Curitiba.
No Comunicado de Inspeção que as advogadas de Esquivel ajuizaram na segunda-feira (16/04) junto à juíza que também responde pela 12ª Vara Federal Criminal de Curitiba, elas dizem que o Prêmio Nobel da Paz (1980) “deverá aproveitar sua estada (em Curitiba) para realizar inspeções na sede da Superintendência da Policia Federal em Curitiba, não somente da sala onde se encontre encarcerado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como também nas demais instalações, inclusive nas quais se encontram custodiados outros presos”.
Explicam ainda que a “inspeção, que ora se comunica, respeitosamente, ao Juízo, vem fundamentada nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o tratamento de presos – Regras de Mandela, regramento editado pelo Conselho
Nacional de Justiça (íntegra em anexo), que regula o Serviço Judiciário e vincula todas as unidades prisionais no Brasil, sejam Federais ou Estaduais”.
Justamente por ser uma “inspeção” respaldada em tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu, as advogadas deram ciência do Comunicado de Inspeção à ministra Cármen Lucia, tanto como presidente do Supremo Tribunal Federa (STF) como por também presidir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em todos estes comunicados as advogadas de Esquivel reproduzem o que dispõe as chamadas Regras de Mandela. Ela reúne uma série de Tratados Internacionais de Direitos Humanos a respeito do tratamento que se deve dispensar aos encarcerados. No Brasil, foram editadas em 2016, pelo CNJ, quando presidido pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Na apresentação da edição de tais regras, ele consignou:
“As Regras de Mandela podem e devem ser utilizadas como instrumentos a serviço da jurisdição e têm aptidão para transformarem o paradigma de encarceramento praticado pela justiça brasileira”.
Nelas, as inspeções internas e externas em estabelecimentos prisionais estão previstas nos artigos 83, 84 e 85, transcritos nos documentos ajuizados pelas duas representantes do Prêmio Nobel da Paz, em Curitiba:
Regra 83
1. Deve haver um sistema duplo de inspeções regulares nas unidades prisionais e nos serviços penais:
(a) Inspeções internas ou administrativas conduzidas pela administração prisional central;
(b) Inspeções externas conduzidas por órgão independente da administração prisional, que pode incluir órgão internacionais ou regionais competentes.
2. Em ambos os casos, o objetivo das inspeções deve ser o de assegurar que as unidades prisionais sejam gerenciadas de acordo com as leis, regulamentos, políticas e procedimentos existentes, a fim de alcançar os objetivos os serviços penais e prisionais, e a proteção dos direitos dos presos.
Regra 84
1. Os inspetores devem ter a autoridade para:
(a) Acessar todas as informações acerca do número de presos e dos locais de encarceramento, bem como toda a informação relevante para o tratamento dos presos, inclusive seus registros e as condições de detenção;
(b) Escolher livremente qual estabelecimento prisional deve ser inspecionado, inclusive fazendo visitas de iniciativa própria sem prévio aviso, e quais presos devem ser entrevistados;
(c) Conduzir entrevistas com os presos e com os funcionários prisionais, em total privacidade e confidencialidade, durante suas visitas;
(c) Fazer recomendações à administração prisional e a outras autoridades competentes.
No Comunicado de Inspeção, as advogadas informam que para a elaboração do “relatório a ser comunicado às autoridades competentes” sobre a visita, como determina o art. 85 das Regras de Mandela, Esquivel estará acompanhado de uma equipe auxiliar composta por duas advogadas, um médico e um fotógrafo”, indentificando-os a seguir.
Do entendimento das duas advogadas, porém, não compartilha o procurador da República da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima.
Representante legítimo da chamada “República de Curitiba”, antes mesmo de ser intimado a se manifestar sobre o Comunicado de Inspeção, antecipou-se e no ofício encaminhado à juíza no final da tarde de segunda-feira (16/04) – tal como mostramos em Juíza acata visita de senadores a Lula; MPF de Curitiba quer enquadra-los – alega não existir previsão legal “no ordenamento jurídico brasileiro, para a realização da inspeção pleiteada”.
Ao mesmo tempo, recomenda que “eventual pedido de autorização de visita deverá ser submetido a esse juízo com fundamentos no art. 41, inciso X da lei das Execuções Penais (LEP) e desde que a defesa técnica do apenado esclareça tais pontos”.
Curiosamente, o pedido de visita de Esquivel a Lula foi protocolado no início da tarde da mesma segunda-feira, horas antes de ser ajuizado o Comunicado de Inspeção. Sobre o pedido, Santos Lima foi intimado a se manifestar e simplesmente registrou a necessidade de consultar os advogados de Lula a respeito da alegada amizade de Esquivel. Fez o mesmo com relação a um pedido do atual vereador do PT por São Paulo, Eduardo Suplicy, que convive com Lula e o PT desde 1978, quando deputado estadual em São Paulo pelo MDB. Em 1982, ingressou no PT elegendo-se um dos primeiros deputados federais do partido. Também de 1982 data a amizade de Lula com o Prêmio Nobel da Paz, que o procurador questiona, talvez em uma demonstração de desconhecimento da História do Brasil contemporânea.