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POR FERNANDO HIDEO
Tem gente de um lado exaltando o STF por restabelecer a legalidade, confiantes de que a Corte voltará a respeitar a Constituição. De outro, há gente apedrejando o STF por ter julgado a transferência em tempo recorde e violado as regras de competência (chamada “supressão de instância”), tementes de que a Corte volte a respeitar a Constituição.
No primeiro ponto, os dois lados têm razão: o STF restabeleceu pontualmente a legalidade, julgando a questão em tempo recorde e violando a barreira que os ministros apontam — rotineira e equivocadamente — como “supressão de instância”.
Entretanto, os dois lados erram ao imaginar (tementes ou confiantes) que a decisão sinaliza um retorno do STF como guardião fiel da Constituição.
A sinalização é oposta.
Ao barrar a transferência em tempo recorde (no mesmo dia, com direito a malabarismo de Fachin desentranhando uma petição e determinando sua autuação em separado, manifestação de Gilmar Mendes a quem a petição havia sido inicialmente endereçada, encaminhamento do presidente Dias Toffoli, parecer da PGR, tudo isso sendo que o HC que pode colocar o Lula em liberdade aguarda julgamento desde o começo do ano), o STF demonstra preocupação com o fato de Lula vir a ser tratado como preso comum. Coisa que ele nunca foi, pois é um preso político.
Ao julgar com quórum recorde (10×1, sendo que até hoje a Defesa nunca havia conseguido mais de 6 votos favoráveis), o STF demonstra saber que Lula é alvo de julgamentos injustos próprios de um processo penal de exceção, por isso é demasiado cruel ser encarcerado numa masmorra junto com presos comuns. Coisa, repito, que ele nunca foi, pois é um preso político.
O voto divergente do Ministro Marco Aurélio deve ser recebido como forma de protesto e denúncia contra a hipocrisia dos demais ministros, que fabricam entraves para manter Lula em sua prisão política em Curitiba, mas agem imediatamente para impedir sua remoção para um presídio comum em São Paulo.
Portanto, antes de celebrar qualquer decisão do STF, é preciso tomar consciência de que a chave para tirar Lula da sua prisão especial está nas mãos desses mesmos ministros que impediram sua transferência para um presídio comum. E ontem a chave saiu do bolso dessas togas para mais uma tranca, nada havendo a celebrar.
O bem-estar da pessoa de Lula não pode apequenar a dimensão política da sua liberdade. Com ele, permanecem trancafiados em Curitiba a utopia por um Brasil menos desigual, o projeto de soberania nacional e a esperança de um governo popular. Diante de uma prisão injusta, a única luta possível é pela libertação.