Enquanto a imprensa mundial estava obcecada com a influência da Rússia na eleição norte-americana de 2016, vencida por Donald Trump, passou batida a ação de um agente secreto israelense no pleito vencido pelo empresário. Seis anos depois da eleição, uma reportagem da revista The Nation mostra como isso aconteceu:
*Tradução de Charles Nisz
“Roger, olá de Jerusalém”, dizia a mensagem do agente secreto israelense. Datada de 12 de agosto de 2016, ela foi enviada para Roger Stone – peça-chave na campanha eleitoral de Donald Trump. “Algum progresso? Ele será derrotado se não fizermos algo. Temos informações críticas. Volto aos Estados Unidos na próxima semana.” Mais tarde, o agente israelense prometeu: “A surpresa de outubro está chegando!”
Enquanto a mídia americana ficou obcecada com o presidente russo Vladimir Putin e seus guerreiros cibernéticos, trolls e bots, passou batida a influência israelense no pleito. Nenhum detalhe sobre isso foi revelado no Relatório Mueller, tampouco houve menção a uma conspiração israelense no relatório do Comitê de Inteligência do Senado. Nada disso vazou para a imprensa, mas uma operação secreta dirigida pessoalmente pelo primeiro-ministro Netanyahu usou a inteligência israelense para favorecer Trump contra Hillary Clinton.
Detalhes da trama começaram a pipocar em 2020, por conta de um mandado de busca do FBI datado de maio de 2018. Como parte da investigação de Mueller, a Polícia Federal americana conduziu uma extensa busca por qualquer interferência estrangeira nas eleições de 2016, e o mandado foi direcionado para proteger as contas do Google de um misterioso agente israelense agindo sob a direção de alguém identificado como “PM”. O agente do FBI que escreveu o relatório disse: “Acredito que ‘PM’ se refira ao ‘primeiro-ministro Netanyahu’.
No começo de 2016, nada era mais importante para Netanyahu do que a vitória de Donald Trump nos EUA. O candidato Republicano foi a chave para tudo o que ele buscava, desde o fim do acordo nuclear com o Irã até o reconhecimento de Jerusalém – em vez de Tel Aviv – como a capital de Israel, até a continuação da ocupação da Palestina. Mas não havia garantia de que Trump venceria. Netanyahu era pressionado por Barack Obama para resolver as questões sobre a Palestina.
O Quarteto do Oriente Médio – formado para mediar o processo de paz Israel-Palestina, incluía representantes da ONU, da União Européia, dos Estados Unidos e da Rússia – também buscava solucionar a ocupação dos territórios palestinos e estava prestes a divulgar um relatório muito crítico a Israel. Netanyahu tomou uma decisão drástica: ele enviaria um assessor para “intervir” secretamente na eleição americana e colocar Trump na Casa Branca. Com base nos relatórios do FBI, esse assessor soube antecipadamente da invasão russa do Comitê Nacional Democrata (DNC) e detalhes dos e-mails roubados.
Embora a declaração não especificasse réu individual, as numerosas potenciais acusações criminais apresentadas nos relatórios do FBI mostram a seriedade do envolvimento israelense. Elas incluíam até a doação de campanha por estrangeiros – algo proibido. Outras acusações incluíam cumplicidade, conspiração, fraude eletrônica e acesso não autorizado a um computador protegido – indicando hackeamento por parte de Israel. Com base nos e-mails e mensagens de texto no relatório, a conspiração começou em junho de 2016, quando Trump começou a ter chances reais de vencer as primárias republicanas.
Durante o mesmo período, o FBI e a mídia começaram a se concentrar no possível conluio russo com a campanha de Trump, como resultado da invasão de Moscou ao Diretório Nacional Democrata e à campanha de Clinton. Mas, embora a investigação de Mueller nunca tenha sido capaz de demonstrar conclusivamente qualquer conluio com a Rússia, o FBI descobriu evidências concretas de extensa colaboração entre a campanha de Trump e o governo israelense e seu primeiro-ministro.
No sexto andar de um arranha-céu de concreto e vidro ao sul de Tel Aviv, atrás de uma porta marcada como “Unidade 17”, agentes planejam novas e criativas maneiras de fraudar eleições mundo afora. O Azrieli Business Center, prédio de 16 andares, em Holon, região metropolitana de Tel Aviv, abriga o Archimedes Group, uma empresa de inteligência privada que se gaba de poder “mudar a realidade de acordo com os desejos de nossos clientes”. Esses clientes se estendem da África à América Latina ao Sudeste Asiático.
A campanha de mentiras e desinformação da empresa israelense ajudou a reeleger o ex-líder militar Muhammadu Buhari como presidente da Nigéria em 2018. Contratado por outros aspirantes a presidentes e políticos de todo o mundo em pelo menos 13 países, o Archimedes logo tinha 3 milhões de pessoas seguindo suas contas falsas no Facebook e Instagram. Foram criadas até contas falsas de “verificação de fatos” para mentir sobre suas notícias falsas, alegando que elas eram baseadas em fatos verdadeiros.
Porém, em maio de 2019, o Facebook descobriu os vários golpes e removeu 265 contas do Facebook e Instagram do Archimedes. “O Archimedes Group”, violou repetidamente nossas políticas de conteúdo, inclusive envolvendo-se em comportamento inautêntico coordenado. Esta organização e todas as suas subsidiárias agora estão banidas do Facebook”, disse a empresa de Mark Zuckerberg em comunicado.
Mas a Archimedes não é um caso isolado. Um funcionário do governo israelense disse ao jornal The Times of Israel que a criação de notícias falsas e manipulação de eleitores é uma indústria em crescimento em Israel porque muitos jovens israelenses que servem em unidades de inteligência do exército são treinados no uso de identidades falsas em redes sociais e meios de comunicação. O governo israelense parece não ter feito nenhum esforço para interromper essas ações, pois Netanyahu vê a oportunidade de interferir em eleições estrangeiras em benefício de Israel.
Uma recente investigação jornalística feita por jornais em vários países revelou que Israel se tornou um centro para a exportação de fraudes eleitorais, notícias falsas, hacking de e-mails privados e desinformação. Foram descobertas conexões entre empresas de inteligência privadas, o Ministério da Defesa de Israel e a empresa Cambridge Analytica, que coletou ilegalmente dados de mais de 87 milhões de usuários do Facebook para uso nas campanhas presidenciais de 2016 de Donald Trump e Ted Cruz.
O projeto investigativo de oito meses envolveu jornalistas de 30 veículos, incluindo Haaretz de Israel, Guardian and Observer do Reino Unido, Le Monde da França, Der Spiegel da Alemanha e El Pais da Espanha. Eles descobriram um mercado privado global de desinformação voltado para eleições” baseado em Israel. Entre os indivíduos desmascarados estava Tal Hanan, um ex-agente secreto israelense e chefe de uma organização com o codinome “Team Jorge”, cuja especialidade era criar desinformação “para se intrometer secretamente nas eleições sem deixar vestígios”, diz o The Guardian.
Hanan disse aos repórteres disfarçados que seus serviços foram usados na África, América do Sul e Central, Estados Unidos e Europa, e que sua empresa hackeou “33 campanhas presidenciais, e obteve sucesso em 27 delas”. Porém, a investigação liderada pelo The Guardian não descobriu a manipulação da eleição norte- americana de 2016, empreendida por Netanyahu.
Durante anos, o homem em quem Netanyahu confiou para lutar contra o Quarteto do Oriente Médio foi seu principal assessor pessoal, Isaac Molho, um advogado a quem o primeiro-ministro confiou as missões mais espinhosas. “Provavelmente nunca houve uma pessoa na história deste país em uma posição tão desejável quanto Isaac Molho”, diz o jornal israelense Haaretz. Seguindo as instruções de Netanyahu, Molho realiza missões sensíveis em países com os quais Israel não tem relações diplomáticas. O Mossad fornece apoio logístico, segurança e transporte”.
Algumas das atribuições de Molho são delicadas demais até mesmo para o Mossad – um fato que às vezes frustra quem trabalha na agência de espionagem. “O Mossad cerrou os dentes ao longo dos últimos oito anos a observar as missões diplomáticas realizadas por Isaac Molho, sem qualquer exigência de teste do polígrafo e como cidadão privado com negócios e outros assuntos que não estão sujeitos a regulamentos da função pública”, diz o jornal Haaretz. Além da lealdade nacional, Molho é casado com a prima de Netanyahu, criando laços de lealdade familiar.
Embora o nome do agente secreto tenha sido retirado do mandado de busca do FBI, seu perfil é muito semelhante ao de Isaac Molho. Assim como Molho, que foi descrito pelo Haaretz como um “homem discreto para missões delicadas”, o agente secreto é descrito como altamente confiável e muito próximo de Netanyahu. Além disso, o agente citado no mandado tinha influência e autoridade suficientes para dirigir as ações de dois outros altos funcionários israelenses envolvidos na operação clandestina para influenciar os resultados das eleições americanas. Molho não respondeu ao pedido de entrevista da Nation.
A chave para o agente israelense foi encontrar um backdoor para ter acesso a Trump. Roger Stone, assessor de longa data do milionário, se encaixou no papel. Embora Stone tenha deixado formalmente a campanha, ele e Trump se falaram com frequência. Para essas ligações, Trump costumava usar o telefone de seu diretor de segurança, Keith Schiller, “porque ele não queria que seus conselheiros soubessem que eles estavam conversando”, de acordo com Sam Nunberg, um conselheiro político que serviu na campanha eleitoral de Trump em 2016. Stone apoiou a ocupação dos territórios palestinos e sua postura belicista em relação ao Irã.
Outro assessor de Trump fortemente envolvido na conspiração, de acordo com os documentos do FBI, foi Jerome Corsi – o contato entre os israelenses e Stone. Jornalista ultraconservador com doutorado em ciências políticas por Harvard e autor de uma série de livros criticando a esquerda liberal, Corsi foi uma das principais luzes literárias da extrema direita. Ele ganhou fama em 2004 por seus ataques desleais ao registro militar do então candidato presidencial John Kerry. O agente secreto foi particularmente atraído pela adulação de Corsi a Israel e pelo apoio à sua beligerância israelense em relação ao Irã.
Escondido atrás de seu pseudônimo online “jrlc”, Corsi também era um islamofóbico virulento. Postando anonimamente no fórum conservador FreeRepublic.com, ele chamou o Islã de “um vírus” e “uma religião satânica perigosa e sem valor” e escreveu que “o Islã é uma religião pacífica desde que as mulheres sejam espancadas, os meninos sodomizados e os infiéis mortos.”
Depois que Corsi forneceu o contato de Molho para Stone, o agente secreto israelense e Stone começaram a conversar. Então, em 17 de maio, o agente escreveu: “Olá Roger, espero que esteja tudo bem. Nosso jantar hoje às 19h está confirmado. Chego às 16h. Por favor, sugira um bom restaurante que tenha privacidade.” O plano original era que Stone e o agente se encontrassem sozinhos, mas Stone queria trazer Corsi como reforço. “Estou desconfortável em me encontrar sem Jerry”, escreveu Stone, e então remarcou o jantar para o dia seguinte.
De acordo com o FBI, no mesmo dia em que Stone falou com o agente israelense, ele começou a pesquisar no Google alguns termos muito estranhos, incluindo “guccifer” e “dcleaks”. Levaria quase um mês até que esses termos chegassem às manchetes em todo o mundo. Em 14 de junho, o Washington Post informou que o Comitê Democrata havia sido hackeado pelo governo russo. No dia seguinte, o hacker que se autodenomina “Guccifer 2.0” assumiu o crédito do ataque. Ele alegou ser um hacktivista americano, mas de acordo com o Departamento de Justiça, ele era na verdade um funcionário russo. Logo depois, o site DCLeaks começou a divulgar documentos hackeados do Partido Democrata.
O timing desses fatos implica que o agente israelense era a fonte mais provável das informações de Stone sobre um ataque cibernético russo ao Comitê Democrata, um mês antes disso ser divulgado fora do Kremlin. Se for esse o caso, há duas questões críticas: como o agente israelense sabia e por que ele estava revelando os detalhes a um colaborador próximo de Trump e não ao governo Obama, suposto aliado de Israel?
Em 18 de maio, um dia após as buscas de Stone no Google, Stone, Corsi e o agente israelense se encontraram para jantar no restaurante 21 Club, em Nova York. O restaurante era ponto de encontro regular de Trump. No topo das prioridades do agente estava conseguir que Stone marcasse rapidamente uma reunião confidencial com o candidato. No dia seguinte, o agente pressionou Stone por e-mail: “Você falou com Trump esta manhã? Qualquer notícia?” Mas Stone era tímido. “Contato feito (ininteligível) bom humor.”
Já no início de junho, de acordo com o Relatório do Comitê de Inteligência do Senado, Stone soube que Julian Assange, chefe do WikiLeaks, estava prestes a divulgar algo “grande”. Stone repassou os detalhes a Rick Gates, vice-gerente de campanha de Trump, e disse a ele que Assange parecia ter os e-mails de Clinton. No entanto, foi só mais tarde, em 12 de junho, que Assange anunciou publicamente que o WikiLeaks tinha “e-mails relacionados a Hillary Clinton que aguardavam publicação”.
Essas foram as primeiras de muitas dicas para Stone que parecem ter vindo de seu novo amigo israelense. Dois dias depois, o Comitê Democrata anunciou que havia sido hackeado pela Rússia. No dia seguinte, Stone novamente pesquisou no Google “Guccifer” e “dcleaks”, horas antes de Guccifer 2.0 assumir publicamente a responsabilidade. Em 21 de junho, quando Guccifer divulgou mais documentos, o agente israelense notificou Stone de que estava em Nova York acompanhado por um alto funcionário e gostaria de uma reunião com Trump. “RS: Segredo”, dizia a mensagem, de acordo com os documentos do FBI. “Ministro do gabinete em Nova York. Disponível para reunião DJT.”
Outras partes da mensagem também foram redigidas, mas no relatório, o FBI revelou o cargo oficial do israelense: “De acordo com informações públicas disponíveis, durante esse período havia um ministro sem pasta no gabinete lidando com questões relativas à defesa e às relações exteriores”. Na época, o único ministro sem pasta no governo israelense era Tzachi Hanegbi, um dos confidentes mais antigos e próximos de Netanyahu. Relatos da imprensa israelense na época indicavam que Hanegbi estava nos EUA naquela data como parte de uma delegação que comparecia à inauguração do novo caça espião F-35 de Israel.
Casado com uma americana da Flórida e fluente em inglês, Hanegbi anteriormente ocupou o cargo de ministro da inteligência, supervisionando o Mossad e o Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel. A questão é: por que um confidente de alto nível de Netanyahu, com experiência em inteligência e laços estreitos com os americanos, buscaria um encontro secreto com um candidato presidencial dos EUA?
Trump estava ocupado, indo de cidade em cidade durante a campanha e participando de vários comícios por dia. Reservar um tempo valioso para encontrar alguns contatos israelenses não era prioridade, especialmente sem saber nada da reunião. Assim, em 25 de junho, Hanegbi retornou a Israel. “Roger, o ministro saiu”, disse o agente israelense. “Envia saudações do PM (Netanyahu). Quando vou conhecer DJT? Devo ir no domingo como planejado?” No dia seguinte, Stone respondeu: “Eu não iria embora, queremos a reunião segunda ou terça”.
Uma possível explicação para a urgência do agente era a crescente pressão de Obama e Kerry sobre Netanyahu para resolver a questão palestina. Um elemento-chave dessa solução seria concordar numa divisão equitativa de Jerusalém, já que ambos os lados a reivindicam como sua capital. Mas se seu agente secreto pudesse se encontrar com Trump e obter um compromisso de que, se eleito, ele apoiaria a manutenção de Jerusalém inteira, então Netanyahu poderia ignorar Obama. Uma vitória de Trump, portanto, também seria uma vitória para Netanyahu. O republicano também estava totalmente comprometido com outra questão fundamental para Netanyahu: o cancelamento do acordo nuclear com o Irã.
De repente, uma mudança de planos. De acordo com o FBI, o agente recebeu ordens de Netanyahu para adiar o encontro com Trump e embarcar no próximo avião para Roma. Em um esforço de última hora para encontrar uma solução para a questão palestina, foram marcadas reuniões na capital italiana entre Netanyahu, Kerry e a chefe de política externa da União Europeia, Federica Mogherini. Netanyahu queria seu assessor especial por perto. O elefante na sala era um relatório do Quarteto do Oriente Médio muito crítico a Israel por conta dos assentamentos e do tratamento aos palestinos.
Na noite anterior à reunião, Netanyahu e Kerry se encontraram para jantar no Pierluigi, um popular restaurante de frutos do mar. “Qual é o seu plano para os palestinos?” Kerry perguntou quando o primeiro-ministro começou a fumar um monte de grossos charutos cubanos. “O que você quer que aconteça agora?” Netanyahu ofereceu uma resposta vaga envolvendo uma iniciativa regional, mas Kerry não acreditou. “Você não tem um canal para conversas diretas com os palestinos ou com países árabes”, disse Kerry. Mas Netanyahu pode muito bem ter tido um plano: usar seu agente, talvez sentado com eles naquela mesma mesa, para ajudar a colocar Trump na Casa Branca.
Em 28 de junho, após o término da reunião em Roma, o agente enviou outra mensagem para Stone: “VOLTANDO A WASHINGTON APÓS CONSULTAS URGENTES COM PM EM ROMA. DEVE SE ENCONTRAR COM VOCÊ QUARTA. EVE E COM DJ TRUMP QUINTA-FEIRA EM NYC.” A reunião com Trump foi remarcada para 6 de julho, antes que o candidato decolasse para um comício em Ohio. O agente israelense voou para Nova York no dia anterior e se hospedou no hotel St. Regis. Na manhã seguinte, ele planejou um encontro com Stone no saguão para uma conversa antes da reunião. “No St Regis com o tenente-general. Esperando por você, obrigado ”, escreveu Molho.
Mas havia problemas envolvendo sigilo. Stone pegou um forte resfriado e estava muito doente para viajar, então ele providenciou para que Corsi fizesse a apresentação. Isso deixou o agente israelense desconfortável por causa da natureza delicada da conversa. “Tenho que me encontrar com Trump sozinho”, disse ele, e eles concordaram que Corsi iria embora após a apresentação. Havia ainda outro problema, no entanto. A reunião era para ser secreta, mas o agente estava acompanhado de um tenente-general israelense. Assim, mais uma vez a reunião teve de ser adiada.
Quem era esse tenente-general? Ao contrário dos Estados Unidos, onde o posto militar mais alto é um general de quatro estrelas, em Israel é um tenente-general de três estrelas, e há apenas um, o chefe do Estado-Maior. Na época, era o tenente-general Gadi Eizenkot. Mas é improvável que Eizenkot fosse a pessoa que esperava no saguão do St. Regis para se encontrar com Trump. Eizenkot teve pouco a ver com a eleição – e na verdade ficou do lado de Obama na questão do Irã. Em janeiro de 2016, ele disse que o acordo nuclear “na verdade havia removido o perigo mais sério para a existência de Israel no futuro previsível e reduziu bastante a ameaça a longo prazo”.
Em vez disso, pode ter sido o predecessor de Eizenkot, Benny Gantz, que se aposentou como chefe das IDF em fevereiro de 2015, mas ainda mantinha o posto de tenente-general na reserva e era frequentemente referido por seu título militar. Ele estava no comando das IDF durante a guerra de Israel contra os palestinos em Gaza em 2014. Foi uma guerra que produziu um número “muito desproporcional” de mortes de civis: 1.400 das quase 2.300 pessoas mortas no conflito, segundo a Human Rights Watch. Gantz mais tarde se gabaria de que “partes de Gaza foram enviadas de volta à Idade da Pedra”.
Em maio de 2020, Gantz se tornaria a segunda pessoa mais poderosa de Israel, como primeiro-ministro alternativo. Na época da reunião cancelada com Trump, no entanto, ele era o presidente da Fifth Dimension, uma empresa de inteligência privada israelense dirigida por um ex-vice-chefe do Mossad e outro ex-membro do Mossad como CEO.
A Fifth Dimension não era a única empresa de espionagem com ligações com o governo de Netanyahu. Outra era a Psy Group, uma empresa de inteligência privada que operava sob o lema “Shape Reality (moldando a realidade”. A Psy Group realizou o Projeto Butterfly, uma operação secreta que espionava e atacava americanos que apoiavam o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), campanha contra Israel. Em abril de 2016, a empresa ofereceu ao assessor de Trump, Rick Gates, outra operação secreta, o Projeto Roma. O subtítulo da proposta de seis páginas explicava o objetivo de interferir secretamente nas eleições presidenciais dos EUA: “Proposta de Serviços de Inteligência e Influência de Campanha”.
O sigilo era primordial. “Recomendamos manter esta atividade compartimentada da campanha, pois o sigilo é um fator chave para o sucesso da atividade”, diz a proposta. “Devido à sensibilidade de algumas das atividades e à necessidade de sigilo, a Psy Group usará codinomes.” Trump foi chamado de “Leão”, Hillary Clinton foi “Floresta” e Ted Cruz foi “Urso”. “Este documento detalha os serviços propostos pelo Psy Group para o projeto ‘Lion’ entre agora e julho de 2016” – início das primárias dos EUA.
A proposta do Projeto Roma parecia um documento operacional oficial do Ministério de Assuntos Estratégicos ou do Mossad, referindo-se a “coleta de inteligência de várias fontes”, “fontes secretas”, “coleta e análise automatizadas” e um “dossiê de inteligência em cada alvo, incluindo inteligência acionável. ” Depois que as informações são descobertas ou extraídas, elas são entregues à plataforma Influence (computadores que criavam notícias e perfis falsos) para uso na campanha conforme necessário”, diz a proposta.
A plataforma Influence do Projeto Roma envolvia o direcionamento de eleitores americanos por meio de “plataformas de terceiros com aparência autêntica” – ou seja, sites de notícias falsas – e também por meio do uso de “avatares personalizados”, milhares de contas falsas no Facebook . “O objetivo dessas plataformas é envolver os alvos e convencê-los ou influenciar sua opinião em relação aos nossos objetivos.”
Os “alvos” eram os eleitores americanos pouco propensos a votar. “A equipe terá mais de 40 especialistas em inteligência e influência”, disse o documento. Depois, havia o que os e-mails internos da empresa chamavam de “operações do mundo físico, como contra manifestantes, intrusos, etc.” As técnicas eram quase idênticas às usadas pelas firmas israelenses Archimedes Group e “Team Jorge” para fraudar eleições em todo o mundo.
O preço da operação foi de US$ 3.210.000, com outros US$ 100.000 para despesas de mídia e US$ 400.000 a mais para “oposição negativa”. Parece que Gates, sabiamente, rejeitou o Projeto Roma. Os principais participantes por trás da Psy Group formaram mais tarde uma nova empresa israelense, a Percepto International. Também investigada pela investigação liderada pelo Guardian, a Percepto foi rotulada como “uma fábrica israelense de fraude online” pelo Haaretz.
Apesar da rejeição da campanha de Trump ao Projeto Roma, as abordagens em Roger Stone para acessar Trump continuaram. “Oi Roger”, escreveu o agente israelense em 8 de julho. “Você remarcou a reunião com DJT? O PM está pressionando para uma decisão rápida”. Stone respondeu que Trump não voltaria a NY antes da Convenção Nacional Republicana, então a reunião teria que ser adiada. Ele acrescentou: “Desculpe pelo fiasco da semana passada, mas você não pode simplesmente trazer o general sem me avisar”.
Enquanto Trump invadia o meio-oeste dos EUA em busca de votos, o Guccifer 2.0 fazia os preparativos finais para outro grande lançamento de documentos. Em 14 de julho, o hacker enviou ao WikiLeaks um e-mail intitulado “grande arquivo”, com um anexo criptografado de um gigabyte. Quatro dias depois, em 18 de julho, a conta do WikiLeaks no Twitter notificou Guccifer de que os dados haviam sido recebidos e que a liberação dos e-mails hackeados do DNC estava planejada para o final da semana.
No dia seguinte, Donald Trump estava em seu escritório em Nova York resmungando com a imprensa porque os jornalistas criticaram o discurso de sua esposa Melania na convenção republicana na noite anterior. Houve acusações de que ela havia copiado trechos de um discurso de Michelle Obama. Porém, de acordo com o depoimento do advogado de Trump, Michael Cohen, no Comitê de Inteligência do Senado, Trump recebeu um telefonema de Roger Stone.
“Roger, como vai você?” disse Trump. “Bem”, respondeu Stone. “Só quero que você saiba que estava ao telefone há pouco com Julian Assange. E em alguns dias, haverá um enorme disparo de e-mails que serão muito prejudiciais para a campanha de Hillary Clinton”. Trump ficou satisfeito. “Uh, isso é bom. Mantenha-me informado”. Sentado próximo estava Michael Cohen. “Você acha que Roger realmente falou com Assange?” Trump perguntou.
No final da investigação, nem a equipe de Mueller nem o FBI conseguiram encontrar qualquer comunicação conspiratória entre Stone e o WikiLeaks. Ele havia trocado algumas mensagens inócuas com Guccifer, mas não havia indicação de como Stone poderia saber o que ele sabia – o que deixava apenas uma explicação aparente: que a informação havia sido repassada a ele pelo agente de Netanyahu. Como no caso do hacking do Comitê Democrata, as informações eram 100% precisas.
Nunca houve qualquer evidência de que Stone soube das liberações pelo WikiLeaks ou pelos russos, mas durante esse período ele e Jerome Corsi estiveram em contato com o agente israelense. A versão israelense da NSA, a Unidade 8200, que emprega alguns dos mais altamente treinados especialistas em inteligência cibernética do mundo e está equipada com recursos avançados de interceptação, pode muito bem estar vigiando a Rússia e o WikiLeaks.
Três dias depois, 22 de julho, enquanto Hillary Clinton se preparava para anunciar sua escolha de vice, o WikiLeaks divulgou aproximadamente 20.000 e-mails roubados do Comitê Democrata. “Acho que Roger estava certo”, disse Trump a Cohen. Sentado no asfalto da pista do aeroporto, prestes a decolar para seu próximo comício, Trump atrasou o voo por meia hora para inserir as mensagens em seu discurso. Ansioso por mais, ele disse mais tarde seus assessores ficarem atentos sobre novos lançamentos do WikiLeaks.
Na quarta-feira, 29 de julho, o agente israelense voltou a entrar em contato com Stone e Corsi e estava ansioso para encontrar Trump, agora que a convenção havia terminado e ele era o candidato republicano. “OI ROGER”, escreveu o agente. “VOCÊ MARCOU UMA NOVA REUNIÃO COM TRUMP? PRETENDO VOLTAR AOS EUA NA PRÓXIMA SEMANA. POR FAVOR, AVISE. OBRIGADO.” No dia 31 de julho, Stone teve dois telefonemas com Trump que duraram mais de 10 minutos.
Na terça-feira, 2 de agosto, apesar das tentativas anteriores fracassadas de contactar Assange, Corsi conseguiu enviar uma mensagem detalhada a Stone sobre os planos futuros do WikiLeaks:
“W planeja mais dois disparos de documentos. Um pouco depois de eu voltar. 2 em outubro. Impacto planejado para ser muito prejudicial…. Hora de deixar mais do que Podesta (chefe da campanha de Hillary) ser exposto se eles não estiverem prontos para largar HRC (Hillary). Esse parece ser o jogo dos hackers agora. Não faria mal começar a sugerir HRC como velha, memória ruim, teve derrame. Espero que muito do foco do próximo disparo”.
Corsi disse mais tarde a Stone que havia “mais por vir do que qualquer um imagina”. Só vou começar depois do Dia do Trabalho. Os detalhes, incluindo a informação de que o chefe de campanha de Hillary, John Podesta, era um alvo, vinham de outro lugar que não Julian Assange.
“Roger, de acordo com PM (Netanyahu), temos uma última chance antes de seguir em frente”, escreveu o agente israelense a Stone em 9 de agosto. “Você pode conseguir o encontro? A história não nos perdoará. TRUMP EM QUEDA LIVRE. SURPRESA DE OUTUBRO CHEGANDO!” Em que consistia a “Surpresa de Outubro” é algo nunca explicado, mas a implicação era que haveria uma nova e espetacular liberação de e-mails roubados, possivelmente centrada em Podesta.
Três dias depois, o agente estava ainda mais frenético. Ele enviou a Stone sua mensagem “olá de Jerusalém”, prometendo que seu governo estava preparado para “intervir” nas eleições dos EUA para ajudar Trump a ganhar e se oferecendo para compartilhar recursos cibernéticos para que isso acontecesse. Stone respondeu enigmaticamente: “As coisas estão complicadas”. Então, na semana seguinte, em 20 de agosto, Corsi sugeriu uma reunião com o agente secreto para determinar “o que Israel planeja fazer em outubro”.
A perspectiva de uma surpresa em outubro, junto com a oferta de inteligência crítica, chamou a atenção de Trump. Em 25 de setembro, ele e seu genro, Jared Kushner, se encontraram em particular com Netanyahu e o embaixador israelense Ron Dermer em sua cobertura na Trump Tower. Mais tarde naquele dia, ele anunciou publicamente que, se fosse eleito, seu governo finalmente “reconheceria Jerusalém como a capital indivisível do Estado de Israel”. Desde 1947, tem havido unanimidade na comunidade internacional – e entre os presidentes americanos – de que o futuro de Jerusalém deve ser objeto de negociações entre Israel e os palestinos.
Trump estava prometendo destruir esse consenso, junto com os palestinos, e apoiar a agenda de Netanyahu. Se Trump e o agente israelense já haviam se encontrado pessoalmente antes desse discurso, não está claro. No final de setembro, Stone e Corsi estavam ficando cada vez mais preocupados com possíveis acusações, e começaram a se encontrar apenas em particular com o agente israelense. O que está muito claro, no entanto, é que, no final, Netanyahu conseguiu o que queria – e Trump também.
Na mesma época, Stone conversou com o assessor Paul Manafort, que já havia deixado a campanha, mas manteve a comunicação com os círculos políticos de Trump. De acordo com o testemunho posterior de Manafort no Comitê de Inteligência do Senado, Stone disse a ele que “John Podesta estaria ferrado”, repetindo a afirmação que ele fez por tweet em 21 de agosto, e que “haveria vazamentos dos e-mails de John Podesta. ” Alguns dias depois, em 29 de setembro, Stone ligou para Trump, que estava a caminho do Aeroporto LaGuardia de Nova York. Depois de encerrar a ligação, Trump disse a Rick Gates, que estava sentado ao lado dele, que “mais informações prejudiciais viriam”.
Em 7 de outubro, o WikiLeaks divulgou 2.050 e-mails de Podesta que prejudicaram Hillary Clinton e sua campanha – exatamente como Stone havia previsto um mês e meio antes. Mas a preocupação de Stone com possíveis acusações criminais se transformou em paranóia. Dado que ele não tinha ligações próximas com Assange ou com os russos, o provável foco de suas preocupações eram suas numerosas comunicações com o agente secreto israelense. Afinal, Stone discutiu a intervenção estrangeira clandestina em uma eleição presidencial, fez arranjos para que Trump se encontrasse com um agente estrangeiro e previu os ataques contra o chefe da campanha rival. A mera chance de investigação deixou Stone maluco.
Ao ajudar secretamente o agente de Netanyahu em uma tentativa de fazer contato com um candidato presidencial – ciente de que ele pretendia interferir nas eleições dos EUA em nome de seu país – tanto Stone quanto Corsi poderiam ter enfrentado acusações graves como cúmplices de uma potência estrangeira sob a Seção 951. do código penal, que torna crime auxiliar secretamente um governo estrangeiro.
Mesmo antes de o WikiLeaks divulgar os e-mails de Podesta em outubro, Stone e Corsi pareciam ficar nervosos com a possibilidade de alguém descobrir seu contato israelense. Logo após o tuíte “Podesta logo estará encrencado” publicado em agosto, Stone e Corsi tentaram encontrar uma maneira de explicar de alguma forma essa premonição. Em 30 de agosto, Corsi disse em seu livro “Silent No More”, de 2019: “Sugeri que Stone poderia me usar como desculpa, alegando que minha pesquisa sobre Podesta e a Rússia foi a base para a previsão de Stone de que Podesta logo estaria ferrado”. Ele acrescentou: “Eu sabia que isso seria manchete”.
Após o disparo do Wikileaks contra Podesta, o apagamento de provas tornou-se mais frenético. Stone ordenou que Corsi excluísse os e-mails relacionados a Podesta e ocultasse seus próprios emails com Corsi sobre o WikiLeaks. Stone acusou Randy Credico, um antigo amigo radialista, como seu canal com o Wikileaks. Credico havia entrevistado Assange em seu programa, mas isso foi quatro dias depois do tuíte de Stone sobre Podesta. Credico negou sob juramento que tivesse feito contato entre Stone e Assange.
Em uma operação antes do amanhecer em 25 de janeiro de 2019, agentes do FBI invadiram a casa de Roger Stone em Fort Lauderdale, Flórida, e o prenderam. Ele foi acusado de sete crimes, incluindo uma acusação de obstrução de um processo oficial, cinco declarações falsas e uma acusação de coação de testemunhas. Stone foi libertado sob fiança de US$ 250.000. Desafiador, ele disse que se recusaria a “dar falso testemunho” contra Trump. Finalmente, em 15 de novembro de 2019, após um julgamento de uma semana e dois dias de deliberações, Stone foi condenado a 40 meses de prisão. Mas em 10 de julho de 2020, alguns dias antes de Stone se entregar, Trump comutou sua sentença, ligando pessoalmente para ele para dar a notícia.
Ao longo dessa cadeia de eventos – incluindo o julgamento, o Relatório Mueller e as quase 1.000 páginas do Relatório do Comitê de Inteligência do Senado – nenhum indício do envolvimento de Israel foi tornado público. Apesar das claras violações da lei dos EUA e de meses de tentativa clandestina de interferência na eleição presidencial de 2016, nenhum detalhe foi divulgado e nenhuma investigação do Congresso ocorreu. Tampouco houve uma insinuação na imprensa, que permaneceu fixada na Rússia.
As evidências sugerem que entre junho e outubro de 2016, Israel interferiu ilegalmente nas eleições presidenciais dos EUA. Um importante agente de Netanyahu estava secretamente oferecendo inteligência e outras ajudas a Trump para elegê-lo. Agora Netanyahu está de volta ao cargo de primeiro-ministro e Trump quase foi eleito em 2020. Os EUA esperam que o Departamento de Justiça e o Congresso conduzam investigações há muito esperadas sobre a verdadeira fonte da interferência estrangeira nas eleições de 2016, e tanto o FBI quanto a mídia removam suas vendas autoimpostas quando se trata de Israel.