Publicado no Atroz.
A escalação de um festival não difere das de um time de futebol: a estrela, geralmente com o número 10 estampado no uniforme, carrega a equipe nas costas. Um goleiro de responsa dá segurança defensiva ao lado de, ao menos, um zagueiro cascudo. “Espinha dorsal”, no dialeto boleiro.
De resto, geralmente um grupo de atletas limitados ocupa-se em atrapalhar o adversário. Se bem treinada, a estratégia costuma render empates ou vitórias magras.
E foi assim o primeiro final de semana do Rock in Rio: poucos craques, alguns pernas-de-pau que não chegaram a comprometer, e uma sensação de, mesmo que ninguém tenha perdido, não há motivos para se comemorar goleada.
Primeiro dia correto e sem brilho, marcado pela frustração de fãs de Lady Gaga obrigados a se contentar com Maroon 5. No sábado, bons shows. A exceção de Fergie, abatida no palco por problemas técnicos.
Destaque para Shawn Mendes, que mostrou maturidade e segurou a bronca de tocar para 100 mil pessoas apesar dos 19 anos. No encerramento, ontem, Alicia Keys e Justin Timberlake deixaram um gosto de “chega logo quinta-feira pra gente ver mais”.
E se nenhum artista carimbou marca memorável pela performance, o festival deixou evidente o mal humor da plateia com o momento político do Brasil: o coro mais ouvido nesses primeiros dias veio do público, que não se furtou a entoar o “Fora Temer” a cada oportunidade surgida.
Discursos em prol da igualdade de gêneros e na defesa do meio-ambiente mostraram que a caretização do Brasil vai encontrar resistência de uma moçada que, se não chega a tomar as ruas em protestos, parece pronta a brigar pelo que acredita. E, cá entre nós, existe arma melhor contra o conservadorismo exacerbado que a arte?
Historicamente, sempre foi assim: para cada onda de retrocessos sociais, uma reação libertária. E vice-versa. Nessa roda gigante, em que os momentos de ápice e queda nos embrulham o estômago, o importante é estar atento aos próximos passos.
O momento de iniciar a subida é agora. O vento que fez planar Lobões, Malafaias e afins passou a soprar a nosso favor.
Talvez esse seja o grande legado desse primeiro final de semana de Rock in Rio: a moçada está, sim, mais politizada. E deu as costas para o conservadorismo de costumes, ao empunhar a bandeira da igualdade; ao conservadorismo econômico, na defesa do meio-ambiente e da Amazônia pronta a ser leiloada no mercado externo; e ao conservadorismo político, com os apupos dirigidos ao “ilegítimo”.
Rock, mais que guitarras distorcidas, é isso: atitude. Particularmente, não vi momento mais rock’n’roll nesses dias que a índia levada ao palco pela Alicia Keys para criticar o extermínio das tribos e terras amazônicas em prol de investimentos externos. Revoluções promovidas pela força costumam ter vida curta. As que vêm da arte sobrevivem.
Vida longa ao Rock.