Na última turnê de sua carreira, Caetano Veloso incluiu o louvor “Deus Cuida de Mim” em seus shows com a irmã Maria Bethânia e causou reações controversas dos seus fãs ao redor do Brasil.
Anteriormente reconhecido como ateu, o músico de 82 anos contou em entrevista com líderes evangélicos que tem repensado seu posicionamento com a religião nos últimos anos. Um desses movimentos foi após gravar a canção com o pastor Kleber Lucas e, posteriormente, ter lido sua autobiografia. Veja trechos da conversa que foi publicada na Folha de S. Paulo neste sábado (14):
Basicamente é um movimento dentro de mim da mesma natureza das outras atitudes críticas que você cita. Mas é claro que, dado o tema, o caso de “Deus Cuida de Mim” leva a dimensões mais sérias. Bethânia e eu já tínhamos definido quase todo o repertório do show. Perto da estreia, recebi a autobiografia de Kleber Lucas e fiquei tão tocado que decidi incluir a canção/louvor no show.
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Essa é a única canção que não recebe aplausos entusiasmados. E isso não me surpreende. Para a maioria do público que vai ver Bethânia comigo, o interesse pelo assunto “igrejas evangélicas” não é algo esperado nem desejado. Mas eu sei que pode criar conversas que não costumam se dar.
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Na estreia do show, no Rio, tinha um grupo de jovens que sabiam todas as letras de todas as nossas músicas. Quando cantei o louvor de Kleber, uma delas demonstrou repúdio total. Não foi agressiva. E era uma menina bonita. Separada dela por umas três pessoas estava outra jovem que, sem ter reagido às expressões de repúdio da primeira, cantou todos os versos de “Deus Cuida de Mim”, de modo discreto e muito concentradamente. Vi ali o esboço de convivência e mesmo algum diálogo de que as pessoas deveriam ser capazes de ter no Brasil.
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Católicos não crescem lendo a Bíblia. Ouvíamos as missas em latim e líamos catecismos. Aos 8 anos, vi “Sansão e Dalila” (1949), o filme de Cecil B. DeMille, e fiquei inteiramente apaixonado. Quando cresci, procurei uma Bíblia para ler esse assunto. Mas comecei pelo Gênesis e fiquei fascinado. Depois de reler muito, pulei para Sansão. Gostei do estilo do livro. Voltei várias vezes a trechos que me fascinavam.
Quando meu segundo filho foi crescendo, ele e o caçula se ligaram à igreja evangélica (há um aspecto geracional que não podemos perder de vista). Meu filho mais velho esteve sempre ligado a aspectos de várias religiões —e discordava de meu materialismo. Ele ama as religiões orientais, foi sempre ligado ao hinduísmo e ama as religiões de matriz africana.
Os dois mais novos encontraram-se com o evangelismo. O caçula de todos não seguiu frequentando a igreja, mas o do meio, sim. Aí eu quis ler a Bíblia toda. E assim fiz.
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Não foi um mero acaso que me aproximou de Kleber Lucas. Ele tinha participado, junto a outros líderes religiosos, da defesa de um terreiro de candomblé aqui no Rio. O jornalista Chico Regueira nos apresentou. Daí nasceu a sugestão de regravarmos juntos “Deus Cuida de Mim”. E, como já disse, voltei a cantar esse louvor depois de ler sua autobiografia.
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Crescendo numa família católica, fui batizado, fiz primeira comunhão e segui as missas, novenas e procissões, mas fui vendo alguma hipocrisia por parte de padres e autoridades eclesiásticas —e, é claro, também por parte de “fiéis”.
Tornei-me um adulto indiferente à dimensão religiosa. Tendo crescido ateu, na virada para o tropicalismo, que queria pôr tudo em discussão, gritei num festival de TV: “Deus está solto”. Era uma versão desabusada do dito popular “o diabo está solto”.
Eu cantava a canção “É Proibido Proibir”. O grito significava mesmo uma liberação da religiosidade, que se mantinha reprimida em tantos de nós. A forma como Jesus me aparecia no que é narrado nos Evangelhos, no entanto, foi e é fascinante para mim.
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Não sou um teólogo nem posso dizer que passei por uma mudança em relação ao cristianismo dito evangélico. Apenas fui vendo, pouco a pouco, o quanto ele se tornou presente no Brasil. Por isso canto o louvor de Kleber Lucas na turnê com Bethânia.
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