Não nos esqueçamos do local de fala da Folha. Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 14 de dezembro de 2020 às 15:10
Redação da Folha de S.Paulo. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook

SAUDEMOS O EDITORIAL DA FOLHA. MAS NAO NOS ESQUEÇAMOS DE SEU LUGAR DE FALA

É muito positivo que a Folha de S. Paulo tenha publicado hoje um violento editorial de capa contra Bolsonaro e sua malta. Ler a posição oficial do jornalão repleta de adjetivos como “molecagem”, “sabotador de primeira hora”, “fantoche apalermado”, “serviçais do obscurantismo”, “patifes” e “descaso homicida” é muito bom e tem efeito catártico de longo alcance. Como se diz entre a esquerda, ajuda na luta.

Não quero cobrar coerência da Folha, jornal que em sua história apoiou campanhas deploráveis e antidemocráticas e só se colocou ao lado da democracia quando isso lhe favoreceu mercadologicamente. Pensemos na objetividade da política, ou seja na frente possível contra o abismo para o qual estamos sendo empurrados. Sabemos todos que a Folha se somou à demonização do PT pelo que o partido tinha de louvável, divulgou ficha falsa de Dilma, contribuiu para a criminalização de Lula e claramente investiu na senda golpista em 2016.

Pouco importa agora. Saudemos a posição do jornal, embora seu oposicionismo a Bolsonaro não chegue à sanha privato-financista de Paulo Guedes. Saudemos, com os nossos quatro pés atrás.

Mas uma analogia histórica torna-se inevitável neste 13 de dezembro, aniversário do AI-5, tão invocado por membros da malta bolsonarista.

Toda a grande mídia – talvez com exceção da Última Hora – ajudou a articular e comemorou efusivamente o estupro democrático de 1964. Alinharam-se de mala e cuia na defesa das cassações, da extinção dos partidos e ao arrocho recessivo Campos-Bulhões, iniciativas que sucederam o golpe.

Quatro anos depois, a mesma mídia viu estupefacta o golpe dentro do golpe, o Ato Institucional número 5, que cancelou restantes prerrogativas democráticas e instituiu a censura prévia. Alguns meios protestaram, alguns se adaptaram, mas todos os se calaram em seguida. Mesmo assim, naquele momento, nenhum se arrependeu do apoio à quartelada anterior.

A Folha vive hoje seu momento AI-5. Parece surpresa, soma-se a uma justa demanda coletiva pelo combate às pandemia, embora não defenda o SUS, a volta do auxílio emergencial ou o fim do teto de gastos, o que seria essencial para garantir a saúde pública. Ou seja exibe claramente seus limites.

Mas saudemos, saudemos o editorial. Sem jamais esquecer com quem estamos lidando e qual seu lugar de fala.