Nós, Negras e negros, LGBTQI +, Mulheres, Professoras e Professores, Advogadas e Advogados e Aliadas e Aliados de luta das minorias sociais e políticas ouvimos estarrecidas e estarrecidos a gravação dos conteúdos das aulas ministradas por Fabiano Zica, professor da Instituição de Ensino Superior UNA – Campus Contagem e advogado integrante da Comissão de Direito de Família da OAB/MG.
Fabiano Zica, conforme se comprova na gravação, afirma que negros e negras contribuíram voluntariamente para seus desumanos processos de escravidão, segundo suas palavras: “Não haveria escravidão se o negro não consentisse com ela, nunca teve nada a ver com cor”. Essa fala é criminosa. Essa fala constitui crime de racismo. Essa fala perpetua o sofrimento dos povos negros.
O mesmo professor afirma ainda que aquelas que se auto intitulam feministas deveriam se envergonhar, pois basta uma busca de imagens no Google para ver como as feministas são esteticamente um bando de “muiezada horrorosa”, que o maior poder que a mulher tem é o de gerar a vida, e que por isso o feminismo do ponto de vista filosófico não faz o menor sentido. E ainda adverte: “Cuidado, se a senhora se intitula como tal…”.
Justifica essa posição baseado em falácias que naturalizam as injustas diferenças entre homens e mulheres. É a fala que retroalimenta a ideia de que não há responsabilidade cultural na criação de um mundo masculino, pensado por homens e para os homens, que transformou os privilégios desses em oportunidades de deixar de dividir as tarefas domésticas e os converteu em falta de disponibilidade para as mulheres estudarem e se dedicarem mais ao trabalho e outras atividades. Não é um questão da natureza feminina. É uma questão cultural da opressão masculina contra a mulher.
O mundo masculino se ergueu e ainda se ergue sobre os ombros das mulheres e da população negra que em nome da dita “disponibilidade”, aludida pelo professor, suportam desigualdades de cargos e salários.
LGBTQI+ foram ditas pessoas “mimimi” por Fabiano Zica. Contestamos! Um grupo que sofre violência simbólica, física, psicológica e emocional todos os dias, que morre, apanha nas ruas e dentro de suas próprias casas, não é um grupo de pessoas “mimimi”. LGBTQI+ são resistentes, sobreviventes, lutadores, combatentes. Não fazem parte de uma minoria privilegiada. Compõe, juntos com mulheres e negros e outros grupos uma maioria de excluídos dos privilégios reservados para o mundo dos homens brancos heterossexuais.
Todas as falas acima são de grave ocorrido e minimizam a importância da luta de inúmeros grupos sociais em mais uma tentativa de invisibiliza-os, além de replicar inverdades que não condizem com a busca por qualidade que se preza no ensino jurídico.
Reconhecemos a importância e simbolismo da instituição em reconhecer por meio de nota pública que a gravação é de um dos integrantes do seu corpo docente, ressaltando não admitir práticas discriminatórias e por fim, afirmando que o caso já está sendo apurado para as medidas cabíveis. Entretanto, tal ato por si só apresenta-se insuficiente.
Reconhecemos ainda que determinadas falas não definem por completo um ser humano. Mas sabemos que “quem fala algo no mundo, faz algo no mundo, e assume um compromisso”. Fabiano Zica é um ser humano que precisa se comprometer com seus atos de fala.
Por razões de coerência ao contexto do ocorrido e manifestação oficial da UNA, uma simples nota na rede não esclarece o suficiente falas, em tons irônicos, relacionadas a uma história de mais de 500 anos de desumanidade contra indivíduos preteridos. Uma explicação pública é um dever de quem se comprometeu com a própria Constituição ao se tornar bacharel em Direito.
Diante da gravidade dos fatos, exigimos as seguintes ações de responsabilização pelo ocorrido: i) com respeito às garantias constitucionais da ampla defesa e contraditório, convidamos o professor Fabiano Zica para que, em ato público e oral, explique os conceitos que tentou produzir em suas falas, dizendo quais os significados de feminismo, LGBTQI+ e população negra devem ser construídos em um país democrático, principalmente por estudantes de Direito, público a quem se direcionou.; ii) que a instituição UNA, como resposta ao ocorrido realize atividade acadêmica, com ampla publicidade, sobre as temáticas abordadas pelo dito professor voltadas para esclarecimento e respeito da diversidade humana e tenha como prioridade no seu plano pedagógico uma formação transversal das lutas e conquistas de direitos das minorias sociais tanto para seu corpo docente e discente e iii) posicionamento público da OAB/MG sobre o ocorrido, em especial por parte da Comissão de Família.
Não são tempos de silêncios e não nos calaremos perante qualquer tentativa de retrocesso de direitos!
Assinam esta nota:
Isabela de Andrade Pena Miranda Corby, Feminista, Mestre em Direito, doutoranda, Professora Universitária
Bárbara Natália Lages Lobo, Feminista, Mãe, Professora e Doutora em Direito
Gabriela de Sousa Moura, Feminista, Lésbica, Professora, Mestre em Direito
Sabrina de Paula Braga, Feminista, Negra, Mestranda em Direito, Chefe do Cartório da 312.a ZE de Santa Luzia
Maria Walkiria de Faro Coelho Guedes Cabral. Feminista, Doutora em Direito Público, Professora Universitária, Coordenadora do núcleo jurídico da Casa de Referência da Mulher Tina Martins.
Mércia Cardoso de Souza, doutora em direito. Assistente Social. Pesquisadora e Professora Universitária. De Fortaleza-CE
Gustavo Seferian, bissexual, professor, doutor em Direito.
Gabriela Oliveira Freitas, Feminista, Doutoranda em Direito Processual. Assistente Judiciária do TJMG.
Diogo Bacha. Doutorando em Direito pela UFRJ, Professor, membro do OJB
Davi Augusto Santana de Lelis – professor UFV
Maria Catarina Laborê, Feminista, Negra, Educadora, Ativista de Direitos Humanos
Luciana Reis, feminista, professora universitária, advogada, doutoranda em Direito
Marcelo Maciel Ramos. Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito da UFMG. Coordenador do Diverso UFMG – Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero
Nana Oliveira, advogada Popular.
Ana Paula Freitas. Advogada na Assessoria Popular Maria Felipa, coordenadora do projeto Solta Minha Mãe, membro da Comissão de Direitos Humanos, Promoção da Igualdade Racial e de Assuntos Carcerários da OAB/MG. Pesquisadora e Educadora Social em gênero e relações étnico raciais. Militante dos movimentos sociais de luta pela promoção da igualdade racial e direito das mulheres em Belo Horizonte/MG, como Pretas em Movimento, colaboradora do Coletivo Brejo das Sapas e Negras Ativas.
Allana Dábia Cardoso T. De Paula.
Janaina Diniz Ferreira de Andrade, mulher, professora universitária, Mestre em Direito Público, advogada, membro do coletivo de mulheres da Ufla.
Giulia Miranda Corcione. Feminista, mestranda em Direito pela PUC Minas, advogada da Casa de Referência da Mulher Tina Martins.
Natália Torquete Moura, feminista, advogada, Mestre em Direito Público.
José Luiz Quadros de Magalhães. Doutor em Direito. Professor e pesquisador da área de Direitos Humanos e Direito Constitucional. UFMG.
Heloisa Maria Diniz Becker, feminista, advogada, membro do Núcleo Jurídico da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, da Comissão de Apoio aos Movimentos Sociais da OAB/MG e do Movimento de Mulheres Olga Benario.
Maíra Neiva Gomes. Mestra e Doutora em Direito – PUC Minas. Profa. IFMG Ribeirão das Neves. Comissão de Igualdade Racial da OAB MG. Coletivo Observatório do Funk. Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira – Professor Titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da UFMG Mário Resende – Professor da UFS. Doutorando Artes Cênicas / USP. Tayara Lemos, doutora em direito pela UFMG, professora universitária. Evandro Nunes,ator, pedagogo, mestre em Educação, Presidente da NEGRARIA, Coletivo de Artista Negros BH