A Universidade Federal do Rio de Janeiro precisou transferir para fora da instituição um evento com o general Santos Cruz para tentar driblar manifestações. O ex-secretário do governo Bolsonaro foi convidado a participar do debate do lançamento da segunda edição da obra “O Exército na Política: Origens da Intervenção Militar 1850-1897”, de autoria do brasilianista John Schulz. O evento foi organizado pelo Instituto Lima Barreto para a Mobilidade Social e o Instituto de Historia da UFRJ.
O lançamento estava inicialmente previsto para as 14 horas no Palácio Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Pouco antes, com o uso de um microfone e alto-falantes, lideranças de movimentos estudantis se reuniam no pátio central convocando-os a uma concentração e a um escracho, lembrando que a universidade havia resistido à ditadura militar e acusando Santos Cruz de negacionismo.
Eles apontaram também a perseguição à instituição pelo governo Bolsonaro, com cortes de verba que levaram à sua quase paralisia, em particular no mês das eleições presidenciais no ano passado. Alguns reagiam curiosos em relação à origem do convite ao militar. Eles defendiam que sua presença na universidade era inaceitável.
A informação sobre a mobilização não demorou a surtir efeito. A organização adiou o evento para as 15h30 no restaurante Casa Sobrado, numa rua estreita do centro da cidade, a cerca de 10 minutos do campus universitário.
Alguns membros da organização disseram ter sido pegos de surpresa com a mudança. Santos Cruz chegou por volta das 15h e cumprimentou os presentes.
Meia-hora depois, um pequeno grupo de estudantes universitários se concentrou do lado de fora. Os estudantes denunciaram principalmente a missão coordenada por Santos Cruz no Haiti entre 2006 e 2009, apontando relatos de estupros, um extermínio em massa da população local, além de proliferação de doenças. “Genocídio no Haiti e massacres nas favelas: esse é o legado de uma ocupação neocolonial”, dizia um dos cartazes, estabelecendo um paralelo com a política de segurança no Brasil.
“Nossa presença aqui é mais sobre a presença do general do que sobre o lançamento do livro. A gente acha que é muito importante ter produção acadêmica sobre o assunto dos militares na política”, precisou Thiago, representante do movimento estudantil.
“Um general que fez parte do governo Bolsonaro, um general que diz que o golpe de 1964 não foi um golpe, mas principalmente apoia as posições do ex-presidente, dizendo que o governo foi democrático, que a ditadura foi democrática, a gente acha que isso é um absurdo”, afirma.
“Principalmente porque faço parte do diretório Mário Prata, um estudante morto, perseguido pela ditadura. Faço parte do centro acadêmico Manuel Maurício de Albuquerque, que também foi um professor de História da UFRJ que foi perseguido e torturado pela ditadura”, justifica.
“Na UFRJ, não vai ter fascista se criando, pessoa que defende regime militar se criando. A gente pode fazer esse debate de formas mais produtivas que não com um militar apoiador do Bolsonaro”.
Um dos organizadores conversou com os estudantes, conseguindo afasta-los relativamente da entrada do local, nem fizessem barulho. Do lado de dentro do bar, onde ocorria o evento majoritariamente frequentado por militares, alguns falaram em “radicalismo” por parte dos estudantes.
“Eu não tenho posição nenhuma sobre o golpe de 1964”, defendeu Santos Cruz, questionado pelo DCM. “Ninguém falou comigo sobre isso. É imaginação de quem…”, disse, sem completar a frase.
“Não é problema ser ou não ser (golpe), simplesmente nunca me falaram nada sobre isso. Não tem sentido”.
Perguntado se houve golpe militar, ele não respondeu. “O assunto aqui é o lançamento de um livro, não é?”.
O militar da reserva falou em “professores que talvez pensem diferente”.
“Eu não conversei com esse pessoal. Seria interessante conversar, mas o pessoal não tem interesse. Não tem problema nenhum. Quanto ao posicionamento, tem que respeitar”, respondeu à pergunta do DCM sobre a contradição de estar presente numa universidade perseguida pelo governo Bolsonaro.
A transferência de hora e local se deram porque os organizadores temiam uma manifestação de grandes proporções. No final das contas, com a transferência do evento para fora da instituição, os estudantes conseguiram expulsar o militar.