Imagine um país em que você presenteia seu pai de 60 anos com uma “surra de bunda” de uma funkeira. Imaginou? Agora abra os olhos: esse país é o Brasil.
Nathalia Valente, uma influenciadora digital cuja existência tanto eu quanto vocês, leitores, ignorávamos até o momento, levou o pai pra comemorar o aniversário no show da MC Pipokinha (tudo que eu soube sobre essa cantora, soube contra a minha vontade), e a comemoração terminou com a famigerada surra de raba no pai, um senhor de 60 anos, que passou por esse constrangimento na frente da esposa, por acaso mãe da influenciadora.
Não sou a pessoa mais conservadora do mundo – longe disso – mas confesso que fiquei perplexa.
Viver a sociedade tecnológica é provavelmente a coisa mais insana da nossa jornada neste planeta. Uma sociedade sem qualquer limite, em que o espetáculo é o único objetivo.
Considero a atitude de Nathalia similar à atitude de youtubers que fazem desafios imbecis como encher uma banheira com Nutella (sim, isso já foi feito), ou cuspir na boca de um gato (Viih Tube, alô alô).
Parece que estamos num eterno “topa tudo por atenção e seguidores”. Não importa se você vai constranger o seu pai e a sua mãe, desde que seu nome esteja nos trending topics. Não importa se você vive em um país obscenamente desigual, você vai encher uma banheira com Nutella porque você precisa de likes, seguidores e inscrições no seu canal.
Estudando a sociedade tecnológica, tenho descoberto que o problema é muito maior do que à primeira vista pode parecer: vivemos um paradigma no qual toda a nossa vida, mesmo fora da internet, é determinada pelas personas que criamos em nossas redes sociais, por mais que não consigamos enxergar – nos fazer não conseguir enxergar é parte do plano.
Não sou um paladino da moral, não tenho problema algum com surra de raba – inclusive me chama – mas submeter a própria família a situações vexatórias pra aparecer é um pouco demais.
E o pior é que, uma vez engendrados nessa sociedade do espetáculo, não há escapatória pra nós: no país de Nathalias e Luccas Neto, as coisas, lamentavelmente, só tendem a piorar.