Negro, pai e encanador: quem é Willians, a 19ª vítima da chacina no Guarujá

“Mataram um dos nossos e a gente vai sair matando quem a gente quiser”, é o que teria dito um grupo de PMs ao abordar e agredir, sem justificativa, o morador da praia do Pereque

Atualizado em 19 de agosto de 2023 às 18:13
Willians Santana. Foto: Reprodução

Publicado originalmente na “Ponte Jornalismo”

“Olha, mataram um dos nossos e a gente vai sair matando quem a gente quiser”, é o que teria dito, segundo testemunhas, um grupo de policiais militares ao abordar e agredir, sem justificativa, o encanador desempregado Willians Santana, 36 anos, há três semanas, durante o início da Operação Escudo, deflagrada pelo governo de Tarcísio Freitas (Republicanos) após o assassinato de um PM da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Patrick Bastos Reis, em 27 de julho, no Guarujá (SP).

Na tarde de ontem (18/8), Willians foi morto por policiais militares do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), tornando-se a 19ª vítima da operação.

Willians foi morto com três tiros dentro da própria casa, por volta das 15h, no bairro do Perequê, no Guarujá. Era pai de família e encanador desempregado, segundo familiares. Também era negro, como 71,8% das pessoas presas até agora pela PM na Operação Escudo.

A violência revoltou os moradores do bairro. Eles protestam diante das viaturas, que permaneceram no local do crime até a noite. Em um vídeo a que a Ponte teve acesso, os moradores gritam “assassinos” e “tão feliz, né, mataram trabalhador”. Uma moradora comenta: “A comunidade revoltada, matou trabalhador, maior tiração esses vermes”.

Familiares de Willians, que preferiram não se identificar, contam que ele voltava para casa de um “bico” quando foi abordado por policiais do Baep, batalhão conhecido pela violência, apelidado de “Rota do interior”. Após pedir para Willians parar e levantar as mãos, os PMs o teriam arrastado para dentro de casa, onde o balearam. Ele morreu no local.

“A filha mais velha dele só escutava ele gritar ‘socorro’. Ela ainda foi para os fundos da casa, mas os policiais não deixavam ninguém chegar perto. Falavam que ele já estava em óbito, mesmo com ela gritando para ver o pai”, conta um parente.

https://www.youtube.com/watch?v=qGrBobT2REA

Familiares contaram à Ponte que Willians já teria sido abordado mais de uma vez pelos policiais dentro de casa, logo na primeira semana da Operação Escudo. Na última vez, apanhou dos agentes.

“Disseram pra ele que os policiais iam voltar pra matar, da última vez ele apanhou e só não fizeram nada porque ele estava com as crianças. Eles ainda falaram dessa vez ‘olha, mataram um dos nossos e a gente vai sair matando quem a gente quiser’, mas não tinha motivo. Ele não estava devendo nada para ninguém”, denunciou a familiar. O único motivo para o ódio dos policiais pode ter sido uma passagem na polícia por furto, crime pelo qual Willians já havia cumprido pena e sido solto 14 anos atrás.

Segundo o Boletim de Ocorrência, registrado na Delegacia do Guarujá, o PM Alexandre Rodrigues da Silva estava caminhando a pé pelo bairro com “várias equipes” quando foi informado que um “indivíduo havia evadido a pé”. Ele e as equipes teriam visto a casa de Willians com o portão aberto e sido recebidos a tiros pelo morador , que, após confronto com os PMs, teria sido alvejado com três disparos por Alexandre.

Separado e pai de duas meninas, uma de 14 anos e outra de 12 anos, Willians nasceu em São Vicente, também na Baixada Santista, e era o primogênito de nove filhos. Ele morava há 14 anos no Guarujá, para onde se mudou após comprar uma casa. Encanador durante anos na Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), estava desempregado há quase dois meses e vivia de bicos desde então. Toda semana, visitiva a família na cidade de São Vicente, onde iria hoje caso não tivesse sido morto pela policia.

Neste sábado, a família foi ao Instituto Médico Legal para reconhecer o corpo de Willians.

A versão oficial do B.O. diz que os policiais encontraram na casa uma “mochila azul com vários entorpecentes (maconha, cocaína e crack), além de uma rádio HT e um papel com anotação”. No entanto, familiares e testemunhas negam que Willians estivesse armado ou com drogas e afirmam que as provas foram plantadas no local pelos próprios policiais, seguindo um padrão já denunciado por familiares de outras vítimas da Operação.

O que diz o governo

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas defendeu a ação da Polícia Militar.

Um suspeito de 37 anos morreu após atirar em policiais militares na tarde de sexta-feira (18), no bairro Perequê, em Guarujá. PMs realizavam diligências na região, quando o homem fugiu ao perceber a aproximação da equipe. O suspeito atirou na direção dos policiais, foi baleado e morreu no local. Com ele, foram encontrados porções de maconha, crack e cocaína, além de um rádio comunicador e anotações do tráfico. A arma foi apreendida e a perícia acionada. O caso foi registrado na Delegacia de Polícia do Guarujá.

Por determinação da SSP, todas as mortes registradas na Operação Escudo são minuciosamente investigadas pela DEIC de Santos, com assessoramento do DHPP, e por um IPM instaurado pela Polícia Militar. O Poder Judiciário e o Ministério Público também acompanham os casos. As forças de segurança atuam em absoluta observância à legislação vigente e qualquer inconformidade é rigorosamente apurada. Também foram enviadas ao Ministério Público as imagens das câmeras corporais pertencentes aos batalhões que participaram de sete casos de confronto com morte durante a operação Escudo, no litoral Sul. De uma das câmeras, foi encaminhada a “trilha de auditoria” que registra a utilização do equipamento desde o início do turno até o esgotamento da bateria. Das demais, foram encaminhados os arquivos com as imagens das ocorrências.

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