O texto abaixo foi publicado originalmente na versão brasileira do site alemão Deutsche Welle.
Em 2000, líderes mundiais estabeleceram seis objetivos para tentar assegurar “educação para todos” até 2015. Porém, o Relatório de Monitoramento Global Educação para Todos, da Unesco, mostra que as metas não serão atingidas. Atualmente, 57 milhões de crianças deixam de aprender por não estarem na escola, e as que frequentam não raro têm seu aprendizado comprometido por uma má qualidade de ensino.
Em entrevista à DW, Pauline Rose, diretora um estudo sobre o acesso à educação e a qualidade do ensino no mundo, afirma que a comunidade internacional ficou muito “complacente” com a educação, especialmente no que diz respeito a crianças vivendo em áreas afetadas por conflitos.
Para a representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), houve progressos na equiparação de gêneros nas escolas do mundo inteiro, com um equilíbrio maior no número de meninas e meninos inscritos.
Por outro lado, segundo ela, é preciso melhorar o monitoramento dos avanços na educação de grupos “desfavorecidos”, como pessoas vivendo em áreas remotas, empobrecidas ou zonas de guerra.
Deutsche Welle:Quando se discutiu a última edição do Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, a senhora destacou que o número de crianças que não frequentam a escola era preocupante. Houve alguma mudança nesse aspecto?
Pauline Rose:Infelizmente, as previsões de que o número de crianças fora da escola estagnaria se confirmou. Atualmente, 57 milhões de crianças não podem ir à escola, nunca foram ou largaram os estudos cedo. Muitas dessas crianças não terão uma educação de base.
Que números e tendências – positivas ou negativas – se destacam no novo relatório?
Acho que registramos o maior progresso no objetivo de diminuir a disparidade na formação de homens e mulheres. Cerca de 60% dos países conseguiram atingir a meta no ensino fundamental ao garantir um número igual de meninos e meninas nas escolas.
Outros objetivos progrediram menos. Ainda temos 774 milhões de adultos iletrados no mundo – dois terços são mulheres. No relatório deste ano, também calculamos quantos países conseguirão cumprir as metas de educação até 2015. A expectativa é de que apenas 29% dos países terão seus adultos alfabetizados. Esse objetivo é o mais atrasado.
Já no ensino médio, também houve avanços lentos. Cerca de 69 milhões de adolescentes ainda estão fora da escola, um número que mudou muito pouco desde 2004.
Basicamente, entre os seis objetivos do programa Educação para Todos, acreditamos que nenhuma das metas será atingida até 2015, e que precisaremos de uma nova lista de objetivos depois desse período. Essa nova lista precisa focar nos mais desfavorecidos, que são deixados para trás.
Os objetivos pós-2015 estão sendo discutidos no site do Relatório de Monitoramento Global de Educação, onde se lê que a educação igualitária precisa ser a meta central do próximo programa. Por quê?
Um dos erros que encontramos nos objetivos a serem cumpridos até 2015 é que eles não medem o progresso com base nos mais desfavorecidos. Eles estabelecem, mas apenas em termos gerais, que é preciso melhorar a situação de grupos mais vulneráveis, ou de meninas e mulheres, ou de pessoas vivendo em áreas remotas. O problema é que, quando foi preciso realmente monitorar os avanços, esses grupos não faziam parte do processo.
No ano passado, a imprensa se concentrou muito em zonas de crise no Norte da África e na Síria, assim como no ressurgimento do movimento fundamentalista islâmico Talibã no Afeganistão. Em que regiões há mais motivo para preocupação de que a instabilidade política afete o acesso à educação e os resultados dessas lacunas?
As crianças que vivem em áreas de conflito são as que mais sofrem atrasos em termos de educação. Elas representam cerca de metade das crianças fora da escola no mundo. Esse problema vem aumentando com os conflitos na Síria, na República Central Africana, no Mali etc.
Descobrimos que, hoje em dia, apenas 1,4% da ajuda humanitária é gasto com educação – um número absurdo e que vem até diminuindo recentemente. A educação simplesmente não é vista como prioridade para crianças vivendo em países afetados por conflitos. Mesmo assim, essas são as crianças que mais precisam de educação.
A cada ano, o Relatório se concentra num assunto central. O documento deste ano foca a qualidade do ensino. Mesmo em países ricos, professores bem formados se mudam para longe de áreas socialmente isoladas e procuram trabalhar em zonas mais abastadas, onde os estudantes já têm uma vantagem. Há sistemas que lidam com esse problema com sucesso?
Um país como a Coreia do Sul, que se saiu bem em todos os padrões de ensino e também possui muito poucas desigualdades na formação, tem fortes políticas para garantir que professores qualificados e experientes também ensinem em áreas que, por qualquer razão, tenham desvantagem.
Esses professores acabam tendo outras oportunidades para desenvolver a própria carreira. Em outros países – como Bangladesh – existem políticas que garantem habitação para os professores. Esse aspecto é particularmente importante para professoras vivendo em áreas remotas. Essas mulheres precisam de casas boas e seguras.
Na Gâmbia, os professores recebem um bônus salarial de cerca de 40% para trabalhar em regiões afastadas. Acho importante destacar que esse número representa uma proporção bastante grande do salário. E isso é fundamental, já que há vários países que oferecem esse tipo de incentivo, mas numa proporção pequena demais.
Não falta muito para 2015. Lembrando os últimos dez ou 15 anos, a senhora está desapontada ou esperançosa?
Acho que é preciso olhar o progresso na educação mundial de duas formas. Por um lado, acho que sem as metas não teríamos tido a atenção internacional de que precisamos para melhorar a educação para todas as crianças. Certamente, esses objetivos contribuíram para as melhorias no equilíbrio de gêneros, no número mais igualitário de meninas e meninos na escola. E, apesar de haver 57 milhões de crianças fora da escola, este número representa cerca de metade do registrado em 2000.
Porém, nos últimos anos, acabamos ficando muito complacentes com a educação. Os avanços diminuíram, a ajuda [financeira] à educação se reduziu, e agora estamos numa situação em que muitas crianças não terão a chance que merecem de receber educação.