O New York Times desta quinta, dia 25, traz uma matéria sobre os fura-filas da vacinação contra covid-19 na América Latina — e o Brasil figura no topo da lista, claro.
“Imunização VIP para os poderosos e seus comparsas choca a América do Sul”, é o título.
“A esperança trazida pela chegada das primeiras vacinas está se transformando em raiva à medida que as campanhas de vacinação se transformaram em escândalo, clientelismo e corrupção, abalando governos nacionais e minando a confiança no establishment político”, diz o texto.
Quatro ministros do Peru, Argentina e Equador renunciaram este mês ou estão sendo investigados por suspeita de receber ou fornecer acesso preferencial a escassas vacinas contra o coronavírus. Os promotores desses países, e no Brasil, estão examinando milhares de outras acusações de irregularidades nas iniciativas de vacinação, a maioria envolvendo políticos locais e suas famílias cortando a fila.
À medida que as acusações de transgressão enredam mais dignitários, a tensão está aumentando em uma região onde a indignação popular com a corrupção e a desigualdade se espalhou nos últimos anos em protestos ruidosos contra o status quo político. A frustração pode encontrar uma válvula de escape nas ruas novamente – ou nas urnas, moldando as decisões dos eleitores nas próximas disputas, como as eleições no Peru em abril.
“Todos sabiam que pacientes estavam morrendo”, disse Robert Campos, 67, médico da capital do Peru, Lima, sobre os políticos do país. “E eles vacinaram todos os seus amiguinhos.”
Um proeminente jornalista argentino divulgou na semana passada em uma entrevista de rádio que teve uma chance contra o ministério da saúde depois de ligar para seu amigo, que era ministro da saúde, expondo o que os moradores locais chamaram de “Clínica de Imunização VIP”para aliados do governo.
No Brasil, os promotores pediram a prisão do prefeito de Manaus, cidade do norte devastada por duas ondas de coronavírus, sob suspeita de dar aos aliados acesso preferencial à vacina.
O escândalo da vacina pode sacudir as eleições gerais do Peru em abril, beneficiando candidatos que prometem uma ruptura radical com o sistema político atual, disse Alfredo Torres, chefe da empresa de pesquisas Ipsos em Lima.
Entre eles estão Keiko Fujimori, filha de um ex-presidente preso, que disse que transformará o Peru em uma “demodura”, uma mistura de palavras em espanhol para democracia e ditadura, e Rafael López Aliaga, que propôs condenar à morte políticos. (…)
No Brasil, que vacinou apenas 3 por cento de sua população, um terço dos 210 milhões de habitantes do país está incluído na lista de prioridades, ultrapassando em muito o número de doses disponíveis. O grupo inclui veterinários, que argumentaram que atuam na área de saúde; caminhoneiros, que ameaçaram greve caso não tomassem a vacina; e psicólogos, bombeiros e construtores.
A confusão foi agravada pela decisão do governo brasileiro de delegar parcialmente a ordem de vacinação às autoridades locais, levando a um caleidoscópio de regras conflitantes. Alguns promotores que investigam o enxerto de vacina disseram que o caos burocrático pode ter sido deliberadamente ampliado para esconder o clientelismo e a corrupção.
“Os médicos sempre me ligam dizendo que têm medo de morrer”, porque não podem se vacinar, disse Edmar Fernandes, presidente do sindicato dos médicos do Ceará. “Este tipo de corrupção mata.”