Ninguém deveria estar acima da lei. Por Kakay

Atualizado em 21 de janeiro de 2022 às 9:47
A imagem de Kakay na live do DCM
Kakay no DCM. Foto: Reprodução/YouTube

O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, faz nova crítica ao ex-juiz Sergio Moro, mas dessa vez mandando recado ao procurador-geral da República, Augusto Aras. A crítica foi publicada no site Poder360 e aborda esse casuísmo jurídico.

LEIA MAIS:

1 – O salário de Moro: TCU revela fortuna que Alvarez & Marsal ganha de empresas enroladas na Lava Jato

2 – Sandra Annenberg e Maria Beltrão podem substituir Fátima Bernardes na Globo

3 – DCM Café da Manhã: Morre a mãe de Bolsonaro; ex-funcionário confirma esquema de rachadinha na família

Ninguém deveria estar acima da lei para Kakay

“Respeitoso, contente de ser útil,

Político, prudente e meticuloso;

Cheio de máximas e aforismos, mas algo obtuso;

Às vezes, de fato, quase ridículo

Quase o Idiota, às vezes.”

(T.S. Eliot, A canção de amor de J. Alfred Prufrock)

Senhor procurador-geral da República,

No Estado democrático de direito, o cidadão tem que confiar nas instituições. Todos devem saber, por exemplo, que o Judiciário cumpre o seu papel constitucional. Em uma democracia consolidada, sequer deve ser necessário qualquer cobrança por parte da sociedade, porque os Poderes naturalmente assumem suas responsabilidades. Tão normal que a vida segue com as pessoas cuidando do dia a dia sem se dar conta de que tudo funciona. Não é necessário questionar o óbvio, pois é inimaginável cobrar com frequência o simples cumprimento da Constituição.

Ora, a Constituição é para ser respeitada e ponto. Nem é desejável que os ministros da Suprema Corte estejam todos os dias na imprensa dando os rumos das políticas a serem implementadas, pois a natural obediência das regras faz tudo fluir espontaneamente. As pessoas, as empresas e a vida, enfim, devem seguir sem grandes sobressaltos, salvo os inevitáveis.

É natural haver algumas decisões que traduzam uma definição, de cada competência específica, e que deem conforto ao cidadão. Cada Poder sabe o que lhe compete fazer. E numa democracia madura, cada instituição simplesmente faz o que lhe compete fazer. Sem maiores alardes e, óbvio, sem hipótese de omissão.

Dentre as tantas de relevância na responsabilidade de Vossa Excelência, ou do seu grupo, diretamente subordinado, uma questão significativa se apresenta: a posição do ex-juiz e sempre candidato Sergio Moro. Cabe lembrar a imortal Cecília Meireles, no poema Das Sentenças:

“Já vem o peso do mundo

com suas fortes sentenças.

Sobre a mentira e a verdade

desabam as mesmas penas.

Apodrecem nas masmorras

juntas, a culpa e a inocência.”

A situação do ex-magistrado revela-se de uma maneira relativamente simples: um juiz que foi considerado parcial pelo Supremo Tribunal e que teve suas decisões anuladas por incompetência. Simples assim. Essa foi a definição do STF sobre um juiz de 1ª instância. O Judiciário, que é um Poder inerte, só age sob provocação e fez o que tinha que ser feito.

A Suprema Corte do país julgou de maneira definitiva o ex-juiz Sergio Moro e considerou que ele corrompeu o sistema de justiça. Talvez o leigo não tenha a dimensão do que foi julgado, mas um magistrado federal foi considerado parcial! Foi um juiz que julgou causas que mudaram o destino do país e que instrumentalizou o Poder Judiciário em benefício de um projeto pessoal de poder! E, agora, já julgado e desnudado, qual consequência ele deve sofrer? O Supremo fez o que lhe competia fazer. E agora?

Já seria avassalador o fato desse ex-juiz ter tomado decisões que tiveram importância fundamental no dia a dia do país, mas, infelizmente, a situação é ainda mais grave. Com lastro nos abusos cometidos e com o apoio de parte da grande mídia, esse ex-juiz se apresenta como candidato à Presidência da República. Depois de criminalizar a política, ele se arvora a buscar na representação popular, que ele tanto afrontou, outra maneira de exercício do poder. Logo ele, representante do que existe de mais podre no país.

Socorro-me no velho Pessoa, no Livro do Desassossego:

“Ler é sonhar pelas mãos de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.”

Mas tem mais, muito mais! O ex-juiz resolveu assumir o papel que sempre foi seu: o político partidário! Agora, claro, sem a toga. Essa é a situação que deve ser enfrentada. Tudo que ele fez não tem consequências? O julgamento histórico do Supremo Tribunal esgotou-se na declaração de parcialidade e incompetência? O fato de ter havido corrupção do sistema de justiça foi um detalhe? O que tem a dizer a respeito o senhor procurador-geral da República, embora, é claro, o ex-juiz tenha perdido o foro, é o que a sociedade se pergunta, perplexa.

É um cenário que gera certo constrangimento. Um ex-juiz despudorado, que sempre instrumentalizou o Judiciário e mercadejou com a toga, resolve assumir o papel que escamoteava e se candidata. E aí nós nos deparamos com uma situação inusitada: como impedir a candidatura de alguém que definitivamente foi condenado pelo STF como uma pessoa que corrompeu o sistema de justiça?

O que me faz questionar Vossa Excelência, respeitosamente, é algo de extrema simplicidade: todos os dias são levantadas as mais diversas situações criminosas desse ex-juiz, e o que faz a Procuradoria? É assim que funciona? Um cidadão julgado pela Suprema Corte de maneira definitiva como corruptor do sistema de justiça vem se posicionar como candidato e nada é questionado? Eu sou contra a lei da ficha limpa, que visa tutelar a vontade popular, mas o questionamento é outro: o ex-juiz não será sequer investigado? Questionado? Julgado?

Vamos a uma situação objetiva e inquestionável. São fatos que o ex-juiz não nega.

Ainda quando era magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro determinou a prisão do então candidato a presidente da República que estava em 1º lugar nas pesquisas. Esse é um fato incontestável.

E isso foi determinante para a eleição do atual presidente da República. O então juiz Moro foi o principal eleitor do presidente que hoje leva o país para o caos. Teve responsabilidade e participação direta na eleição. E, segundo declaração do próprio Sergio Moro, ele, ainda com a toga nos ombros, ainda juiz federal, aceitou conversar sobre ser ministro da Justiça do governo que ele elegeu.

É constrangedor. Mas foi além: aceitou ser ministro da Justiça do governo que seria empossado e que só foi eleito após uma decisão dele, juiz, tirando do pleito o candidato que estava em 1º lugar nas pesquisas! É espantoso. A contrapartida óbvia está a provocar a indignação em qualquer estudante de direito. Nada vai ser investigado? Nenhuma consequência advirá desses fatos incontroversos?

Poder-se-ia adotar como método a jurisprudência do modus operandi da República de Curitiba, coordenada exatamente pelo ex-juiz em questão. À época em que Moro era o efetivo chefe da força-tarefa de Curitiba, quando coordenava um grupo de procuradores da República, por muito menos eram expedidos mandados de prisão e de busca e apreensão, sempre com estardalhaço e espetacularização. Na simples suspeita de qualquer favorecimento, o rigor da pena se fazia sentir.

Claro que era uma caneta cuja pena tinha lado, protegia e perseguia. Fazia a triagem política que interessava. Mas usava como lema um refrão que deve ser trazido de novo à baila: ninguém está acima da lei! Perfeito. A sociedade aguarda ansiosa.

Com a lembrança do grande Augusto dos Anjos:

“Toma um fósforo

Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro.”

Participe de nosso grupo no WhatsApp clicando neste link

Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link