No julgamento de Gleisi, a oportunidade que o STF tem de dar um basta ao justiçamento da Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de junho de 2018 às 9:16
Gleisi Hoffmann. Foto: Agência Senado

Glesi Hoffmann começa a ser jugada hoje pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), juntamente com o ex-ministro Paulo Bernardo, marido da senadora, e o empresário Ernesto Kugler Rodrigues.

Basta ler o memorial apresentado pela Procuradoria Geral da República para constatar que não há contra Glesi uma mísera prova. O que sustenta a acusação de corrupção passiva é a palavra de delatores.

Palavra que mudou conforme versões eram contestadas pela defesa de Gleisi.

Segundo a denúncia, Bernardo pediu ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que encarregou o doleiro Alberto Youssef de fazer a distribuição do dinheiro (1 milhão de reais).

Youssef, por sua vez, passou a tarefa ao advogado Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini, que viajou de São Paulo a Curitiba para fazer quatro entregas de 250.000 reais a Ernesto Kugler Rodrigues, que teria participado da campanha de Gleisi.

Este é o roteiro descrito pela PGR e, para comprová-la, o Ministério Publico Federal buscou provas… E, olhando o próprio resumo do processo apresentado pelos procuradores (memorial), o que se encontra de mais relevante é um vídeo, gravado pela Polícia Federal, em que um delator Pieruccini passeia de carro pelas ruas de Curitiba para contar onde e como fez a distribuição do dinheiro.

Isso é prova? Claro que não.

A revista Veja, quando recebeu o vídeo da PF, fez uma reportagem em que classifica esse tipo de atividade policial como “uma nova modalidade de apuração de crimes do colarinho branco: a delação gravada em roteirizada como uma peça de cinema”.

Tem algo mais além dessa atividade que tem a forma e o conteúdo de uma peça de ficção? Sim.

Na quebra de sigilo telefônico, se encontraram 29 ligações de Kugler — a quem o advogado Pieruccini teria entregues dinheiro — para o tesoureiro da campanha de Gleisi, Ronaldo da Silva Baltazar.

O que isso prova? Nada, já que os dois efetivamente tinham relacionamento, e as ligações nada demonstram além do fato de que se falavam por telefone.

Então, o que sobra: palavra de delatores, e a palavra de delatores não serve para condenação de ninguém, conforme já decidiram os tribunais.

“A prova testemunhal, desde os tempos mais remotos, sempre foi vista com reserva pelos mais variados povos e civilizações. Muitas também foram as vítimas da perversidade e injustiça, pois a testemunha, aliada aos interesses do monarca ou detentor do poder que tinha a força discricionária suprema, poderia levar pessoas a perder suas vidas, liberdade e patrimônio. Perseguições eram perpetradas pelas testemunhas alinhadas a determinado grupo de poder”, diz o criminalista Luciano Borges dos Santos, que fez um estudo sobre o instituto da delação premiada. Ele acrescenta:

“Jurisprudência consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal é uníssono no sentido de que depoimento de corréu não serve como prova válida para condenação. Esse é outro ponto que merece reflexão. Se nem mesmo o depoimento de corréu não colaborador é suficiente para incriminar qualquer pessoa, com muito mais razão a delação premiada não pode ser utilizada como instrumento de condenação.”

Analisando-se o conteúdo da delação, na hipótese de que pudesse ser aceita como prova, também se constata a falta de verossimilhança. Segundo a PGR, Paulo Roberto Costa pagou propina em troca de apoio político de Bernardo, que foi ministro do Planejamento de Lula e das Comunicações de Dilma.

Paulo Bernardo é petista histórico, e Paulo Roberto Costa, no acordo que garantiu a coalizão governista no governo de Lula e no início do governo de Dilma, era indicação do PP de Francisco Dornelles.

Faz sentido Bernardo pedir doação para campanha de Paulo Roberto Costa, que era funcionário de carreira da Petrobras, mas politicamente sustentado pelo PP?

Não.

O que existe é o empenho de Raquel Dodge para condenar Gleisi — uma crítica severa da Lava Jato —, que contrasta com a velocidade com que se conduz a investigação de outro senador da república, Aécio Neves.

Em relação a este, há vídeos reais de transporte de propina, em malas de dinheiro. Gravações em que o senador oferece vantagens no governo de Michel Temer a um corrupto confesso, Joesley Batista. E nenhuma medida efetiva para proteger o Erário desse tipo de ação.

O processo contra Glesi tramita na turma do Supremo em que estão os chamados os ministros cascudos — que não tremem de medo da velha imprensa e dos grupos de extrema-direita Vem pra Rua e MBL —, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

É uma oportunidade para um julgamento isento, para demonstrar à sociedade que, efetivamente, as instituições estão funcionando e que ninguém será alvo de justiçamento apenas porque tem uma posição crítica a setores do Judiciário e do Ministério Público Federal.

Setores que criaram um poder anômalo na república, muito vinculada operacionalmente ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, pode anômalo que é conhecido pelo nome de Lava Jato.

A prova contra Gleisi: o passeio de carro de um delator com um policial federal