O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi anunciado no dia 16 de março como o novo ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Depois que o juiz Itagiba Catta Preta Neto emitiu uma liminar suspendendo sua nomeação, foi a vez do ministro do STF Gilmar Mendes. O governo ainda recorre na plenária do Supremo.
Em seu blog no site da revista Exame, da editora Abril, o economista Gilson Schwartz publicou no mesmo dia 16 um texto apontando que Lula poderia formalizar uma segunda “Carta aos Brasileiros”, documento de 2003 que acalmou os agentes do mercado nacional e costurou a política econômica dos primeiros anos do petismo no poder.
Gilson Schwartz trabalhou como economista-chefe de Henrique Meirelles — cotado por Lula para o comando do Ministério da Fazenda.
O DCM conversou com ele para saber sobre a influência de Lula na atual situação e o que há por trás dessa perspectiva mais otimista.
Você diz que Lula no Ministério da Casa Civil poderia resultar numa “Carta aos Brasileiros 2”? Por que isso aconteceria?
A paralisia econômica e política têm muitas causas, mas sair desse estado de coisas exige a reconstrução da confiança. Ao menos do ponto de vista econômico, isso acontece quando são alteradas as convenções e as expectativas. Vários economistas, inclusive o Delfim Netto, falaram sobre a necessidade de uma reconstrução de expectativas. É a tal agenda de reformas. Se tudo não passar de jogo de cadeiras e recomposição ministerial, sem um programa de longo prazo, jogaremos água na fervura.
O ministro Gilmar Mendes diminuiu as chances de participação de Lula no governo. O ex-presidente poderia influenciar por outras vias?
Poderia. Explicitamente agora, Lula é “o cara”, como dizia Obama. Mais do que nunca é importante deixar claro a natureza política, e não jurídico-criminalística, da participação dele na redefinição de rumos do governo e da política econômica. Agora se ele entrar formal ou informalmente e nada mudar, inclusive nos titulares de Fazenda e Banco Central, aí fica complicado, não é?
Diversos veículos de imprensa ventilam Henrique Meirelles na Fazenda ou no Banco Central por causa de Lula. Tendo trabalhado com ele, é realmente um aceno positivo aos mercados?
Minha experiência com ele foi na condição de economista-chefe do BankBoston. Não trabalhei no Banco Central porque ele não quis levar pessoas do mercado, que tinham atuado diretamente com ele, para as funções lá. As opiniões de Henrique Meirelles são conhecidas por suas intervenções periódicas na imprensa.
O seu retorno ao governo, em qualquer posição, fortalece a hipótese de uma sinalização firme de compromisso com estabilidade de preços, sem dúvida. Ele trará responsabilidade fiscal e internacionalização da economia brasileira.
Você compara o ex-presidente Lula com Getúlio Vargas ao escrever que “é aquela estratégia conhecida como o modelo do violinista: segurar com a esquerda, mas tocar com a direita”. Ele vai reatar com empresários e banqueiros?
A comparação é para ilustrar a hipótese de fortes reformas estruturais, institucionais e na regulação, com ênfase no potencial de recuperação do crescimento econômico. Faria isso sem comprometer os princípios de sustentabilidade que são essenciais para a reconstrução da confiança empresarial e financeira. Como Getúlio Vargas, talvez o ex-presidente Lula tenha ainda essa capacidade de costurar uma agenda não apenas nas coalizões partidárias, mas em cenários de longo prazo com ganha-ganha tanto para os capitalistas quanto para os trabalhadores.
No meu artigo, cito uma nota do Edmar Bacha que, há mais de uma década, diante da chegada de Lula e do PT ao poder, indicava o potencial de alinhamento entre reformas e crescimento econômico num governo de esquerda. Essa oportunidade está presente agora e não deveria ser perdida no Brasil.
O mercado tem medo que o governo utilize 372 bilhões de dólares de reservas para melhorar a economia. A presidente nega. Você acha que existe a possibilidade?
Acho nula essa possibilidade. Reservas internacionais são como a bomba atômica, porque existem para evitar a guerra cambial e atuam sobre convenções e expectativas. Usá-las para pedalar seria um tiro no pé.
Quais são suas perspectivas para o câmbio no curto e no longo prazo pós-Lula no ministério?
Já ocorreu o ajuste cambial. Dependendo das mudanças na área econômica, existe agora até mesmo o potencial de uma nova pressão pela valorização do real. Levando em conta que o debate em torno da elevação dos juros nos EUA continua, no longo prazo será possível reduzir muito rapidamente os juros e evitar que um novo ciclo de otimismo nos coloque novamente numa situação cambial incômoda. Essa situação pode acontecer, digamos assim, até o fim do mandato de Dilma.
Você me falou no começo deste ano que está desenvolvendo, com Marcelo Petersen Cypriano, uma saída da recessão brasileira ainda em 2017. Lula contribui para este cenário?
Vamos apresentar nossos cenários no final de abril em seminário na FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Desde o final do ano passado, com base apenas em dados econômicos, defendemos um cenário mais otimista que a média do mercado. Dependendo da nova equipe e do compromisso com reformas estruturais que relancem um cenário de longo prazo, o retorno de Lula pode tornar ainda mais rápida a recuperação.
Há possibilidade do governo Dilma cair? Se sofrer impeachment, há alguma previsibilidade econômica neste contexto?
Nosso cenário político tem sido menos catastrófico que a média do mercado e é muito evidente, entre as opiniões na grande imprensa das últimas semanas, que ganharam peso as visões de uma incerteza ainda maior no caso do impeachment prosperar. Com a retomada da iniciativa política do PT, reforma ministerial e garantias absolutas de respeito ao Estado de Direito e às instituições da República, acho que os corruptos serão capturados e condenados.
É possível dizer que economistas que refletem pensamento de curto prazo estão afetando negativamente as perspectivas do país?
Houve erros de timing, houve corrupção, houve excessos na gestão da política econômica de inflação da demanda no curto prazo, em boa medida porque era inevitável uma subordinação do governo à lógica da reeleição. Daí a acreditar que o mundo acabou e o Brasil vai perder uma década houve exagero entre economistas, políticos e comentaristas.
Mas não é apenas o Brasil que enfrenta dificuldades. Quando se olha para a economia norte-americana, que também passa pelo seu próprio ciclo eleitoral, o horizonte já não é de uma década perdida.
O pensamento de longo prazo segue otimista mesmo com crise em outros países?
China, Rússia, EUA, União Europeia… todos estão em movimento, de juros negativos a rearranjos políticos. Ninguém está olhando a crise passivamente. Se o governo Dilma, com Lula, sair da lógica de curto prazo e reconstruir uma visão de futuro, indicando claramente por onde o Brasil voltará a brilhar.
Isso envolve rediscutir metas e prioridades. Vamos todos ostentar nosso orgulho verde e amarelo, mas para torcer por nossos atletas nos Jogos Olímpicos.