Luiza Trajano é uma senhora muito rica que se comporta como uma senhora muito rica.
E, nesse sentido, é como todos os seus colegas, à direita, à esquerda e ao centro: não gosta de pagar impostos.
Questionada sobre a taxação de grandes fortunas no Roda Viva, escorregou como sabonete para deixar claro que é contra.
Ou melhor, é a favor da “cultura de doação”.
Se o Brasil tornar compensatório doar — ou seja, isentando de impostos o milionário —, ela apoiará pagar mais impostos.
Que as coisas fiquem como estão. Os bisnetos dela não precisarão trabalhar.
“É preciso ter distribuição de renda com controle”, afirma.
Ela e Lemman vão controlar tudo, supõe-se. Com o Véio da Havan dando uns toques.
A fortuna dela é avaliada em US$ 4,9 bilhões. A jornalista que a entrevistou leva uma mordida do leão proporcionalmente maior que a dela e um abraço.
Informe da Oxfam mostra que, em plena pandemia, 73 bilionários de América Latina e Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões (equivalentes a cerca de R$ 268.624 bilhões) entre março e junho.
O país tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram seus caixas incrementados em US$ 34 bilhões (R$ 189.486 bilhões).
Este, sim, é o grande escândalo do nosso tempo.
Nos EUA, imposto sobre herança é de 45%.
Grandes capitalistas volta e meia se manifestam contra essa aberração.
A neta de Walt Disney, Abigail, herdeira de um império de entretenimento, capitaneia um movimento para seus colegas desembolsarem mais dinheiro para o fisco.
“Nada na história avançou apenas porque as pessoas defendiam seus próprios interesses”, disse numa entrevista.
“As coisas realmente mudam quando as pessoas são traidoras de sua classe, e minha classe precisa de alguns traidores realmente bons hoje em dia.”
Isso é corajoso e responsável.
Luiza é uma pessoa admirável sob diversos aspectos.
É uma vencedora, obstinada, emprega milhares de brasileiros, criou um programa para combater o racismo estrutural.
Mas daí a transformá-la em heroína, apenas por irritar bolsonaristas, vai uma distância enorme.
Passa pano para o governo, passa pano para o agronegócio.
Qualquer discussão séria sobre o papel do empresariado para diminuir nosso abismo social passa, obrigatoriamente, pela taxação de grandes fortunas.
Bastaria Luiza falar: sim, eu quero pagar mais imposto.
Ocorre que ela não quer. O resto é silêncio.