No que realmente importa, Luiza Trajano não é diferente do Véio da Havan: não aceita imposto sobre sua fortuna

Atualizado em 6 de outubro de 2020 às 0:01
Luiza Trajano

Luiza Trajano é uma senhora muito rica que se comporta como uma senhora muito rica.

E, nesse sentido, é como todos os seus colegas, à direita, à esquerda e ao centro: não gosta de pagar impostos.

Questionada sobre a taxação de grandes fortunas no Roda Viva, escorregou como sabonete para deixar claro que é contra.

Ou melhor, é a favor da “cultura de doação”.

Se o Brasil tornar compensatório doar — ou seja, isentando de impostos o milionário —, ela apoiará pagar mais impostos.

Que as coisas fiquem como estão. Os bisnetos dela não precisarão trabalhar.

“É preciso ter distribuição de renda com controle”, afirma.

Ela e Lemman vão controlar tudo, supõe-se. Com o Véio da Havan dando uns toques.

A fortuna dela é avaliada em US$ 4,9 bilhões. A jornalista que a entrevistou leva uma mordida do leão proporcionalmente maior que a dela e um abraço.

Informe da Oxfam mostra que, em plena pandemia, 73 bilionários de América Latina e Caribe aumentaram suas fortunas em US$ 48,2 bilhões (equivalentes a cerca de R$ 268.624 bilhões) entre março e junho.

O país tem 42 desses bilionários que, juntos, tiveram seus caixas incrementados em US$ 34 bilhões (R$ 189.486 bilhões).

Este, sim, é o grande escândalo do nosso tempo.

Nos EUA, imposto sobre herança é de 45%.

Grandes capitalistas volta e meia se manifestam contra essa aberração.

A neta de Walt Disney, Abigail, herdeira de um império de entretenimento, capitaneia um movimento para seus colegas desembolsarem mais dinheiro para o fisco.

“Nada na história avançou apenas porque as pessoas defendiam seus próprios interesses”, disse numa entrevista.

“As coisas realmente mudam quando as pessoas são traidoras de sua classe, e minha classe precisa de alguns traidores realmente bons hoje em dia.”

Isso é corajoso e responsável.

Luiza é uma pessoa admirável sob diversos aspectos.

É uma vencedora, obstinada, emprega milhares de brasileiros, criou um programa para combater o racismo estrutural.

Mas daí a transformá-la em heroína, apenas por irritar bolsonaristas, vai uma distância enorme.

Passa pano para o governo, passa pano para o agronegócio.

Qualquer discussão séria sobre o papel do empresariado para diminuir nosso abismo social passa, obrigatoriamente, pela taxação de grandes fortunas.

Bastaria Luiza falar: sim, eu quero pagar mais imposto.

Ocorre que ela não quer. O resto é silêncio.

Abigail Disney