Publicado na bbc.
Murilo Ferreira acumula desde esta quarta-feira dois dos cargos de maior peso do mundo corporativo brasileiro. É, ao mesmo tempo, presidente da gigante de mineração Vale e presidente do Conselho de Administração da Petrobras em um momento particularmente decisivo para a história da companhia.
O executivo está à frente da Vale desde 2011, e em março o governo havia indicado seu nome para a presidência do colegiado da estatal petrolífera. Seu nome foi confirmado em uma assembleia geral de acionistas no final da tarde desta quarta-feira, sendo recebido com um misto de otimismo e cautela por analistas do setor.
Por um lado, há certo consenso de que a experiência que Ferreira acumulou na Vale pode contribuir para tirar a Petrobras da crise desatada pelas repercussões da Operação Lava Jato e aprofundada pela queda do preço do petróleo no mercado internacional.
Por outro – como ressaltam Fábio Gallo, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) – há incertezas sobre se o tempo que o executivo terá para analisar os negócios da petrolífera estatal será suficiente, dado suas responsabilidades na Vale e o fato de que a mineradora também passa por uma situação complicada.
Graduado em Administração de Empresas pela FGV e com MBA da IMD Business School em Lausanne, na Suíça, Ferreira tem mais de 30 anos de experiência no setor de mineração.
Já foi presidente das empresas Alunorte, Albras e da Mineração Vera Cruz e esteve nos conselhos da Mineração Rio do Norte, Valesul Alumínio, Usiminas, PT Inco (na Indonésia) e Vale New Caledonia.
Antes de presidir a Vale, chegou a trabalhar por uma década na empresa – de 1998 a 2008, sendo diretor da Vale do Rio Doce Alumínio e presidente da Vale Inco, no Canadá.
“Ferreira é um profissional bem respeitado no mercado, com uma capacidade já testada de lidar com situações difíceis”, opina Ricardo Kim, analista da XP Investimentos.
Gallo, da FGV, diz que quando o preço das commodities começou a cair, ele “agiu rápido” fazendo os ajustes necessários no direcionamento estratégico da Vale.
“Ferreira revisou as prioridades da empresa e anunciou uma série de desinvestimentos (venda de ativos). Foi rápido e relativamente eficiente – o que poderia ser útil na Petrobras em um momento em que a empresa precisa de um choque de gestão”, opina.
“Além disso, tem muita experiência internacional e na negociação de commodities, o que também é interessante para a estatal.”
A Vale, porém, também está longe de navegar em águas tranquilas.
A mineradora deve anunciar seus resultados para o primeiro trimestre deste ano nesta quinta-feira e analistas do mercado preveem um prejuízo líquido de bilhões de dólares em função de fatores como o impacto da variação cambial nas contas da empresa (que tem boa parte de sua dívida em dólares), da queda do preço do minério e do desaquecimento da demanda da China.
Gallo lembra que o Conselho de Administração da Petrobras deve revisar os resultados, documentos do Conselho Fiscal e todas as decisões estratégicas da empresa, como as relativas a investimentos e vendas de ativos.
“Seu presidente precisa analisar uma série de documentos, se informar sobre o que está acontecendo na empresa, além de participar de reuniões bastante longas – como Ferreira vai achar tempo para fazer tudo isso?”, questiona o professor da FGV.
“A Petrobras precisa de gestores e consultores com bastante disponibilidade para se dedicar à empresa. E estar ao mesmo tempo à frente da Vale e do Conselho de Administração da estatal parece um trabalho sobre-humano”, concorda Pires.
Para Pires, há outros poréns na indicação do executivo.
O primeiro, segundo ele, é que é possível que haja ‘conflitos de interesse’ entre as duas empresas, que têm grande peso na economia brasileira. O Conselho da Petrobras, por exemplo, decide sobre os preços dos combustíveis no mercado doméstico – o que impacta nos custos da Vale.
Além disso, na opinião de Pires, Ferreira é visto “como uma figura de certa forma ligada ao governo”. O executivo foi indicado para a presidência da Vale depois que Roger Agnelli entrou em desacordo com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a política de investimentos da empresa.
Na época, houve quem criticasse a queda de Agnelli como uma interferência política indevida na empresa (a Vale foi privatizada nos anos 1990, mas o governo ainda exerce influência na empresa por meio de fundos de pensão de estatais e do BNDES, que são seus acionistas).
“Acho que o Planalto até procurou nomes que seriam visto como mais independentes e figuras com mais disponibilidade, mas não achou outra alternativa. Não é qualquer um que topa assumir os riscos associados à gestão da crise que se instalou na Petrobras”, diz o diretor do CBIE.
Gallo, porém, discorda: “Não acho que haja dúvidas sobre essa questão da autonomia política, porque Ferreira tem uma carreira bastante sólida no mercado. Tanto que, após a queda de Agnelli, sua indicação para a Vale foi bem recebida.”