Mineiro de Mariana, Fernando Morais (70) é escritor, jornalista, biógrafo e está gestando um novo projeto para internet. Usuário assíduo do Facebook, ele anunciou no dia 28 de abril a criação de um blog chamado Nocaute.
Com cinco mil amigos e mais de 51 mil seguidores na rede social de Mark Zuckerberg, Morais foi bloqueado junto com Bruno Torturra no dia da votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados no último dia 17. O motivo da censura foi uma denúncia de nudez em seu perfil.
Para entender melhor sobre o novo espaço Nocaute, o DCM fez um entrevista perguntando sobre o blog, projetos em andamento, o que ele pensa sobre a Globo e sobre o golpe de Estado em curso.
DCM: Qual a ideia por trás do blog Nocaute? Podemos esperar análises políticas suas? Teremos participações de outras pessoas?
Fernando Morais: Há muitos anos venho alimentando o projeto de fazer alguma coisa na internet dentro da área do jornalismo. Associado a amigos, originalmente eu imaginava fazer algo mais ambicioso, uma espécie de canal de notícias e variedades em português, espanhol, inglês e francês, com colaboradores na América Latina, nos países lusófonos da África, na Europa e nos EUA.
Mas, além dos custos, eu não podia interromper meu trabalho para dedicar-me à implantação do canal. O projeto foi provisoriamente arquivado, mas a ideia permaneceu. O blog Nocaute talvez venha a ser um passo intermediário.
DCM: Como assim?
FM: Eu não pretendo fazer análises políticas, mas publicar textos curtos, de interesse geral, e pequenas entrevistas ou reportagens. Penso sempre com imagens em movimento. Nas minhas viagens ao exterior como ativista tenho oportunidade de falar com chefes de estado, dirigentes políticos e personalidades do mundo da cultura e nunca aproveito isso jornalisticamente.
Com o blog, isso será possível. Numa primeira fase vou tocar o Nocaute sozinho. Se crescer, convido amigos e amigas para compartilhar o projeto comigo.
DCM: Como foi o episódio do bloqueio do Facebook?
FM: Na manhã do domingo, 17 de abril, dia da votação do impeachment na Câmara Federal, o jornalista Florestan Fernandes Júnior me ligou de Brasília para dizer que o “Foicebook”, apelido da minha página no Facebook, estava fora do ar. Imaginei que fosse um problema de conexão, porque o serviço da NET é um inferno, mas ao tentar abrir a página li uma advertência de que eu estaria fora do ar por 30 dias por ter exibido material que fere as normas da rede.
Tentei solucionar o problema denunciando o erro ao próprio Facebook, mas não obtive qualquer resposta. Como eu vinha postando diariamente informações condenando o golpe em curso, me pareceu claro que se tratava de censura política.
Denunciei a violência a amigos e seguidores da internet e a informação pipocou pela rede. Passei o fatídico domingo utilizando páginas de amigos para publicar o que eu pretendia postar no censurado Foicebook.
DCM: E como voltou ao ar?
FM: Voltou graças à pronta intervenção de Rogério Sotilli, da Secretaria de Direitos Humanos, e de Keffin Gracher, responsável pela comunicação digital do governo federal. Com ajuda dos dois, recebi um telefonema de um diretor do Facebook.
Polido e gentil, tentou me convencer de que a censura era fruto de uma denúncia de postagem de nudez no começo de 2015. Mais interessado em me livrar da censura, aceitei a explicação, mesmo sem acreditar nela. Aí começou a renascer a ideia de criar o Nocaute.
DCM: Você acha que falta uma maior variedade de manifestações da esquerda no Brasil e na mídia?
FM: Acho que melhorou muito nos últimos anos, mas o espaço é enorme e ainda cabe muita gente. Com o tempo haverá uma seleção natural, e aí sobreviverá quem tiver credibilidade.
Além da experiência de mais de 50 anos como jornalista, acho que tenho algo a mais para oferecer ao internauta: a minha independência.
Este é, aliás, o único bem que acumulei na minha vida. Não devo nada a ninguém, não dependo de orientação política de quem quer que seja, faço e falo o que me dá na cabeça. Leitor gosta disso. É uma certa iconoclastia, decadência de símbolos. É uma pitada de “Castigat ridendo mores” (expressão em latim que significa “rir para castigar os costumes”).
DCM: Você diz que assiste o Jornal Nacional para saber que a família Marinho vai contra os interesses do Brasil. Acredita que o poder da Rede Globo acabará em breve?
FM: Assisto mesmo. Toda noite. Não para saber o que acontece no Brasil e no mundo, mas para saber o que a família Marinho gostaria que estivesse acontecendo no Brasil e no mundo.
Algo como ler o Pravda, em Moscou, nos tempos da saudosa União Soviética.
DCM: Caso o golpe contra Dilma ocorra de fato, o que você acha que podemos esperar do governo Temer?
FM: Podemos esperar o pior do pior. O Estado-maior que o Michel Temer está levando para o Palácio do Planalto é autoexplicativo. Teremos Moreira Franco, Eliseu Padilha, Henrique Alves, Gedel Vieira Lima e Romero Jucá ministros.
E como Temer terá, obrigatoriamente, que avançar sobre direitos sociais para manter a blindagem da mídia e da plutocracia, teremos um coquetel explosivo. Será um governo ilegítimo com arrocho econômico. Como dizem no interior de Minas: trabalhadores, preparai vossa perninha, porque lá vem beliscão.
DCM: Você acredita que Lula ainda pode ser mais prejudicado por Sergio Moro nessa investigação partidarizada?
FM: Desde o começo da ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff eu venho insistindo numa tese que o golpe só estará completo na hora que conseguirem inabilitar Lula e impedi-lo de disputar as próximas eleições. Sejam elas daqui a 90 dias ou em 2018.
Ou será que alguém é ingênuo a ponto de supor que armaram essa aliança diabólica entre PSDB, DEM, PMDB, setores do judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal mais FIESP, Rede Globo e toda a grande mídia para entregar a presidência de mão beijada ao Lula?
Porque até os patos do Skaf sabem que, se tiver eleições, Lula ganha. E isso é a última coisa que eles querem ver.
DCM: Em que pé estão seus livros sobre José Dirceu e Lula? Sei que são dois projetos diferentes. Mas irão sair?
FM: O livro do Zé Dirceu está arquivado há alguns anos, à espera de uma decisão dele. O do Lula, que é um retrato da vida dele da prisão, em 1980, até o fim da presidência, em 2010, está indo bem.
O ritmo e a produtividade caíram um pouco com a crise, mas continuo trabalhando cotidianamente no livro do ex-presidente.