Perversas, misteriosas, manipuladoras, cínicas e frias, elas continuam a encantar, a seduzir e a horrorizar.
A cinéfila Camila Nogueira, apaixonada pelos filmes noir, fez uma lista com cinco das mais cínicas, amorais e manipuladoras heroínas do gênero:
Os filmes noir começaram a fazer sucesso nos anos 40, tornaram-se proeminentes no pós-guerra e duraram até o começo da década de 60. O enredo de um filme noir costumava girar em torno de um personagem masculino cínico, insensível e desiludido (interpretado por atores como Humphrey Bogart, Robert Mitchum ou Fred MacMurray) que encontrava uma bela mas promíscua, amoral, traidora e sedutora femme fatale (interpretada por atrizes como Mary Astor, Veronica Lake, Barbara Stanwyck ou Lana Turner). Femme fatale significa, literalmente, “mulher fatal (ou assassina)”.
As garotas dos filmes noir provinham de dois tipos: a jovem amável, obediente, confiável, prestativa e fiel; ou a mulher perversa, misteriosa, irresponsável, falsa e manipuladora. Em geral, a protagonista procura se esquivar de seu passado misterioso e escolher qual caminho trilhar. Na maior parte das vezes, escolheria a opção do crime. Quando o protagonista era um detetive, seria envolvido e preso em uma teia de crimes complexa que o iria levar a evidências sufocantes de corrupção, amor e morte. A femme fatale, que também transgrediu as normas socias com suas ações alarmantes, conduziria ambos à ruína. Escolhemos cinco das mais notórias e cruéis anti-heroínas do cinema noir.
5) Kitty Collins (Ava Gardner) – Os Assassinos
Esse clássico filme noir é baseado em um conto de Ernest Hemingway, narrado em flashbacks que acontecem depois de uma sequência na qual o protagonista é assassinado. É uma história de roubo, amor não recíproco e muitas traições brutais.
Dois assassinos de aluguel matam o ex-boxeador Ole ‘Swede’ Andersen, interpretado por Burt Lancaster, que vive escondido em uma cidadezinha de New Jersey sob um pseudônimo por seis anos. Ele é avisado do que o espera, mas mesmo assim parece indiferente e espera passivelmente por sua morte. Ele aceita morte estoicamente porque admite que “fez algo de errado, no passado” – referindo-se ao complexo enredo criminoso que consiste na principal história do filme, e que gira em torno de uma bela, elegante, manipuladora e maldosa femme fatale chamada Kitty Collins.
Em uma festa, Swede conhece e fica fascinado pela estonteante Kitty e o submundo do crime ao qual ela, seus amigos e seu namorado, o ardiloso criminoso Colfax, pertencem. Após passar alguns anos na prisão ao assumir um crime cometido pela femme fatale, cai novamente sob o feitiço da traiçoeira Kitty.
Uma noite antes do roubo que ele e os cúmplices tinham planejado, ela lhe diz que Swede será traído por Colfax. Ela o persuade a se vingar de Colfax roubando todo o dinheiro do assalto para si. Kitty mente para o jovem apaixonado, alegando que aquele dinheiro iria permitir que ela se afastasse para sempre do “detestado” namorado.
Confiando cegamente em Kitty, Swede passa a perna em toda a gangue e fica com o dinheiro somente para si, fugindo com Kitty. Mas é enganado pela jovem, que o rouba e foge.
O filme termina com a revelação que ela era a cúmplice e esposa de Colfax. Quando ele está prestes a morrer, ela implora que o marido minta por ela (como Swede já fez), sussurrando “Diga para eles Kitty é inocente, jure que sou inocente. Você irá me salvar fazendo isso!” Colfax, entretanto, expira depois de pedir por um cigarro. Seu silêncio condena Kitty.
4) Velma Valento/Helen Grayle (Claire Trevor) – Até a Vista, Querida
Baseado no livro “Adeus, minha Adorada”, de Raymond Chandler, esse é considerado uma das melhores adaptações de romances de Chandler para o cinema. O detetive particular alcóolatra e mulherengo Philip Marlowe é interpretado por Dick Powell. Marlowe procura a antiga amante do vigarista Moose Malloy, a ruiva Velma Valento, que entregara o amante há oito anos.
Durante a investigação de um assassinato, Marlowe faz uma visita à mansão da família Grayle em Brentwood, onde encontra Mr. Grayle e sua esposa muito mais jovem, Helen, uma loira promíscua e sedutora. Aliada ao chantagista e ladrão Jules Amthor, Helen estava envolvida em um esquema comprometedor.
A misteriosa, sexy e esquiva Helen Grayle contrata o detetive para localizar um colar de jade roubado. Marlowe se envolve em um arriscado submundo, sendo enredado e ameaçado por desprezíveis criminosos de alta ou baixa classe. Por fim, temos o surpreendente desfecho.
3) Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck) – Pacto de Sangue
A adaptação feita por Billly Wilder e Raymond Chandler do romance de James M. Cain incluía uma loira persuasiva e sinistra – uma bela, perspicaz, descarada e insatisfeita dona de casa chamada Phyllis Dietrichson, que convence seu amante, o esperto agente de seguros Walter Neff, a ajudá-la a matar seu marido entediante, de forma que eles possam dividir o seguro de indenização duplo do pobre homem.
Após combinarem os detalhes do futuro assassinato, esperam que as circunstâncias corretas se apresentem. O assassinato acontece quando Phyllis leva o marido para a estação de trem – e Neff o estrangula.
A cena final se dá na sombria sala de estar de Phyllis, onde ela esconde uma arma. Neff também tencionava mantá-la, mas ela o ofuscou com seus próprios planos. Atira duas vezes em seu ombro, mas hesita ao ter que dar o tiro final, admitindo que não tem um coração e pedindo que ele a abrace. Neff atira na amante duas vezes durante o abraço erótico.
2) Gilda Farrell (Rita Hayworth) – Gilda
Rita Hayworth aparece nesse filme sombrio com seu erotismo polido e sofisticado, seus cabelos ruivos exuberantes e um corpo esbelto e curvilíneo. A bela Rita interpreta a misteriosa esposa do dono de um cassino na Argentina, que recentemente contratou o jovem apostador Johnny Farrell como gerente.
Johnny também é encarregado de vigiar Gilda, com quem teve um envolvimento no passado e a quem odeia mais do que qualquer outra pessoa por um motivo que não nos é revelado. Para torturar o ex-amante e inflamar ainda mais o amor obsessivo e ciumento dele, Gilda dança e flerta com muitos outros homens.
Quando seu marido misteriosamente “morre”, Johnny asume o controle do cassino e trata Gilda de forma quase sádica depois de forçá-la a se casar com ele. Em uma cena célebre do filme, a estapeia quando a encontra fazendo uma performance musical para os frequentadores do cassino, ao som de Put The Blame On Mame. A cena da dança é a mais famosa de todo o filme. Nela, Gilda, em seu vestido de cetim negro e tomara-que-caia, realiza uma indecente e sexy performance enquanto tira suas longas e negras luvas para a platéia.
No final do filme, entretanto, Johnny admite o quão errado estava ao maltratá-la e os dois se reconciliam depois de meses em um relacionamento explosivo.
1) Madeleine Elster/Judy Barton (Kim Novak) – Um Corpo Que Cai
O filme de Hitchcock, realizado em 1958, é um hipnotizante thriller que gira em torno de um romance macabro e condenado. Embora não seja tecnicamente um filme noir, é considerado o último filme noir.
Seu tema é o amor desesperado por uma ilusão, um estudo psicológico de um homem desesperado e inseguro que sofre de medo de altura e vertigem. O filme tem início quando o ex-policial Scottie é contratado por um velho amigo para seguir sua neurótica esposa, a suicida em potencial Madeleine.
Ele a vê pela primeira vez em um restaurante, e é salva por ele quando quase se afoga. Scottie a leva para seu apartamento, onde conversam pela primeira vez. Scottie logo se apaixona pela beleza enigmática de Madeleine e a beija apaixonadamente à beira da água, enquanto as ondas turbulentas atingem melodramaticamente as rochas atrás deles.
Ainda assim, ele é incapaz de evitar a queda suicida de Madeleine da torre do sino de uma igreja. Consequentemente, Scottie tem um colapso nervoso.
Então, encontra uma jovem morena chamada Judy Barton, que se parece muito com Madeleine. Logo, faz com que Judy se apaixone por ele e começa a transformá-la em seu amor perdido, a fazendo tingir os cabelos de loiro, usar o mesmo penteado e os trajes que Madeleine usava, com o relutante consentimento de Judy, que supõe que, caso ele a deixe tão parecida quando a mulher que amava, vai acabar por amá-la também.
Ao ver Judy usando um colar igual ao de Madeleine, Scottie fica receoso e decide recriar o passado, levando a nova amante à igreja onde Madeleine supostamente se matou. Ele a arrasta pela escada e Judy acaba confessando todo o plano que tinha feito com o marido de Madeleine, que desejava matar a esposa. Ao julgar ter visto o fantasma de Madeleine, Judy cai do topo da torre, em um final assustadoramente arrebatador.
Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 19 de julho de 2012.