Dia desses. uma colunista da Folha explicou que, não importa qual seja o mérito de uma política de Estado, nunca é o suficiente para colocar em risco as “regras fiscais”. Em bom português: melhor não ter escola ou posto de saúde, desde que as “contas do governo” estejam equilibradas.
Não há surpresa nisso. O noticiário econômico dos jornais brasileiros é um verdadeiro paraíso do pensamento único.
Os jornais brasileiros, a Folha em primeiro lugar, parecem uma caricatura daquilo que certa vez Nancy Fraser chamou de “neoliberalismo progressista”.
Há espaço para as pautas identitárias, desde que em chave que secundarize a interseccionalidade com classe: e vamos festejar o negro CEO, a atriz trans, a Luiza Trajano. Mas defesas dos direitos dos trabalhadores ou do Estado social? Essas brilham por sua ausência.
No noticiário econômico, as poucas vozes divergentes, que às vezes ganham um espaço em outros setores, são praticamente exterminadas. O que se vê é o reforço permanente dos dogmas do neoliberalismo, por mais distantes da realidade que eles estejam.
Não importa, a ideia é replicada mesmo assim. Isso é próprio do modus operandi do pensamento neoliberal: suas verdades dogmáticas são reafirmadas como se não houvesse nenhuma necessidade de confrontá-las com o resultado efetivo de sua aplicação.
Isso vale para a redução do Estado, para o desmonte das garantias trabalhistas, para as políticas de déficit zero. Todas elas são apresentadas reiteradamente como medidas indispensáveis, a despeito de que os resultados que elas apresentam são catastróficos para a grande maioria da população.
Ontem mesmo, eu estava explicando a meus alunos o teorema liberal que diz que o mercado é o melhor instrumento para combater o racismo. A ideia é que um empresário racista estaria em condições de concorrência inferiores a outro, não racista, uma vez que recusaria clientes, funcionários e fornecedores de um determinado grupo racial.
É a tradução da velha divisa pecunia non olet (dinheiro não tem cheiro).
Essa ideia é apresentada por vários economistas e filósofos liberais na forma de silogismos perfeitos. Só há um problema com esse modelo: ele não funciona no mundo real. A experiência empírica mostra que muitos outros fatores intervêm e, pelo contrário, os mecanismos de mercado funcionam como poderoso reforço das desigualdades raciais.
O jornalismo econômico cumpre um papel importante na afirmação desse cenário. Quem o lê julga que há um consenso científico sobre questões que, na verdade, são no mínimo muito disputadas no ambiente da ciência econômica.
E os efeitos reais das políticas nunca são discutidos – a relação entre miséria e política macroeconômica neoliberal, por exemplo.
Com isso, o debate é bloqueado.
Governos que seriam de esquerda acham mais fácil compactuar com essa ortodoxia, tentando introduzir apenas ajustes laterais ou criar brechas aqui e ali, do que enfrentá-la.