Novo filme de Seinfeld na Netflix tem de ser visto como “Sessão da Tarde” ou causará indigestão

Atualizado em 16 de maio de 2024 às 19:04
Melissa McCarthy e Jerry Seinfeld em “A Batalha do Biscoito Pop-Tart”

Que Jerry Seinfeld é um gênio do humor, ok, todos sabemos. É um dos criadores, juntamente com o parceiro Larry David, da melhor sitcom da história, que levava seu nome.

“Seinfeld” era um seriado “sobre o nada” que mostrava o cotidiano besta em Nova York dos amigos George Costanza (Jason Alexander), Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus) e Cosmo Kramer (Michael Richards), além de Jerry, cujo apartamento servia como cenário principal.

Após algumas incursões solo medíocres, como na animação “Bee”, e na série “Comedians in Cars Getting Coffee”, ele volta a se aventurar em “A Batalha do Biscoitos Pop – Tart”, em que é diretor, roteirista e produtor, na Netflix.

Um elenco de responsa, que tem ele mesmo como protagonista, somados a Hugh Grant e Melissa McCarthy em bons papéis.

A trama já é difícil de engolir: baseia-se em fatos “aproximados” com a época, os anos 60, na guerra dos cereais matinais. Era a competição ferrenha entre as marcas Kellogg’s e Post no início da década para lançar a primeira torrada de massa recheada no mercado, algo que aparecia em episódios de “Seinfeld”. Um de seus prazeres era trocar o almoço ou o jantar por uma tigela de cereal com leite, apenas para ilustrar sua relação com um “rico café da manhã” made in USA.

Seinfeld é um executivo da Kellogg’s responsável pelas pesquisas da companhia, que precisa descobrir antes da Post o biscoito recheado ideal para o café da manhã das crianças. Do outro lado está a personagem de Amy Schumer, que também pesquisa o produto.

Pega carona na onda de “Barbie, o Filme” de Greta Gerwig, em que as marcas bancam os filmes que desconstroem e promovem sua própria biografia.

Vemos toneladas e toneladas de produtos ultraprocessados vendidos diariamente num país de obesos, causadores de malefícios à saúde como problemas dentários, na pele dos jovens, cardíacos e diversos tipos de carcinomas.

Temos também analogias ao tráfico de drogas internacional e o poder branco, “white power”, representado pelo copo de leite.“Político” de maneira superficial, o filme tem referências à invasão ao Capitólio pelos seguidores de Trump, à crise dos mísseis em Cuba e ao assassinato de Kennedy.

A difícil tarefa de misturar tudo isso se perde na vontade de ser engraçado sem se aprofundar nas questões abordadas, ficando em cima do muro. Tem que assistir com espírito de “Sessão da Tarde”.

Seinfeld passa pano para a obscena indústria alimentícia norte americana porque ela, no final de contas, pagou as contas de um comercial engraçadinho estrelado por um dos mais talentosos humoristas da atualidade.

A verdade é que ele nunca acertou a mão após seu clássico seriado. Larry David, por outro lado, se consagrou com a hilariante “Curb Your Enthusiasm” na HBO.

Na vida pessoal, ele ainda resolveu embarcar no sionismo e visitou Israel em apoio ao genocídio em Gaza. As operações militares do fascista Netanyahu mataram mais de 35 mil palestinos. Espera-se que Jerry Seinfeld tenha, ao menos, a sabedoria de não tentar achar graça nisso e se esmerar em sua arte: arrancar risadas sobre o nada.