A política não é uma ciência exata; um mero exercício matemático. Mas nem por isso se pode desconsiderar o significado que os números carregam acerca de fenômenos ou tendências eleitorais.
O resultado da eleição argentina do último 22 de outubro mostra “números em movimento”, ou seja, expressa uma dinâmica social e eleitoral diferente da “realidade fotografada” nas PASO 13 de agosto – eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias.
As PASO sinalizavam um cenário bastante favorável ao bloco antiperonista/antikirchnerista. As duas forças partidárias deste campo ideológico, representadas nas pré-candidaturas do ultradireitista Javier Milei e da macrista Patrícia Bullrich alcançaram, somadas, 61,2% das intenções de votos nas primárias.
O bloco peronista, por outro lado, teve o pior desempenho eleitoral da história, obtendo tão somente 28,9% das intenções de votos – 19% menos que nas primárias e nas eleições presidenciais de 2019, quando Alberto Fernández e Cristina Kirchner obtiveram 48%.
A surpreendente reviravolta eleitoral na votação de 22 de outubro mostra, contudo, uma mudança relevante das expectativas e tendências criadas nas eleições primárias.
O candidato peronista Sérgio Massa, que corria o risco de sequer ir para o segundo turno, só não conseguiu ser eleito presidente já no primeiro turno por apenas 3,3% de votos. Massa saltou de 6,7 milhões de votos para 9,6 milhões –aumento de 2,9 milhões em relação à votação nas PASO– e assumiu a dianteira da disputa [tabela 1].
Milei, que aumentou 532 mil votos viu, porém, seu percentual de votação baixar de 31,6% nas PASO para 30% dos votos válidos em função do aumento do comparecimento, que subiu de 70,4% para 77,7%, representando 3.022.424 eleitores a mais que nas primárias.
A candidata Bullrich, por seu turno, perdeu 628 mil votos, caindo para 23,8% contra os 29,6% obtidos nas PASO. A maior parte dos 532 mil votos agregados por Milei devem ter se originado justamente ali, no eleitorado de Bullrich [tabela 2].
Durante a campanha, o núcleo duro do macrismo chegou a ensaiar um movimento para operar a transferência de votos das bases de Juntos por el cambio no suposto de que conseguiriam impulsionar a vitória de Milei no primeiro turno.
Além da perda de votos para Milei, a coalizão de Macri, grande derrotada na eleição, perdeu 24 cadeiras de deputados e 10 de senadores, favorecendo a formação de bancadas numerosas da ultradireita no Congresso.
A respeito da distribuição dos votos em 22 de outubro [tabela 2], cabe mencionar:
1 – o aumento do comparecimento eleitoral –2,9 milhões de votos a mais que nas PASO– é resultado do esforço do peronismo de sensibilizar a população sobre o risco-Milei, fator que beneficiou amplamente o candidato Sérgio Massa;
2 – Javier Milei, ajudado pela migração de votos de Bullrich, pode estar perto do seu teto eleitoral, pois não haverá transferência maciça dos 6,2 milhões votos de Bullrich para ele. Lideranças da União Cívica Radical/UCR e de outras forças da coalizão Juntos por el cambio rechaçam apoiar Milei e conclamam o voto democrático de suas bases em Massa;
3 – embora o candidato Juan Schiaretti seja um ex-peronista de perfil antikirchnerista, Massa tem maior entrada que Milei junto ao eleitorado dele, que alcançou 1,7 milhão de votos; e
4 – a Frente de Esquerda, da candidata Myriam Bregman, que obteve 709 mil votos, ainda não se posicionou, mas ela já declarou que “Massa e Milei não são a mesma coisa”, referindo-se ao perigo que Milei representa.
O resultado do primeiro turno causou uma mudança substantiva na dinâmica eleitoral argentina, marcando uma tendência de favoritismo de Sérgio Massa para 19 de novembro. Ainda assim, não se pode minimizar o logro da extrema-direita, que alcançou impressionantes e assombrosos 30% de representação na sociedade argentina, o que não é nada trivial.
O resultado de 22 de outubro abate o estado de ânimo da campanha de Milei, ao passo que traz enorme poder mobilizador da candidatura de Massa e dos setores democráticos do país para se unirem contra os riscos de retrocessos civilizatórios e democráticos no país.
Publicado originalmente no blog de Jeferson Miola