Nesse dia triste para o rock nacional e para o Brasil, resolvi fazer o que Rita Lee faria: fugir do óbvio.
É claro que a eterna mutante e rainha do rock fará falta. Mais do que isso, Rita Lee se tornou, como todos os grandes artistas, um ideal. Meu ideal de mulher e de como envelhecer com leveza. Um ideal de rebeldia e autenticidade para um país inteiro.
A dor da grande perda desse ícone é incontroversa: ninguém discordaria.
O que ainda não dissemos é que Rita Lee viveu uma história de amor rara com o homem que inspirou tantas canções imortais como “Mania de Você” — composta após uma transa — e “Caso Sério”. A parceria – de carreira e de vida – durou inacreditáveis 47 anos, e se você olhasse para os pombinhos, ainda veria uma paixão desproporcional a tanto tempo de convívio.
O casal se conheceu através de Ney Matogrosso e em pouco tempo se tornou um dos mais queridos da indústria musical. “A primeira vez que encontrei a Rita foi no Festival de Saquarema, em 1976. Foi a primeira vez que a gente conversou, se olhou e alguma coisa aconteceu em nossos corações”, disse Roberto em entrevista.
Além de companheiros na formação de uma nova família, Rita e Roberto foram parceiros de palco na fase POP da carreira da cantora, emplacando sucessos como “Doce Vampiro” e “Chega Mais”.
O que mais me admira no amor sincero de Roberto de Carvalho por Rita Lee é que ele sabia que estava casado com uma deusa: não se importava em ser visto como alguém que está à sombra da esposa, talvez por saber que não teria como ser diferente.
Rita Lee foi a alma dos mutantes, a alma de cada canção composta com o marido, talvez a alma do rock nacional. É preciso muita auto estima e muito amor pra conviver com uma mulher assim sem se sentir diminuído.
Rita Lee foi amada com fervor por Roberto de Carvalho até o seu último suspiro – algo que não se vê muito por aí, sobretudo numa realidade em que as mulheres cuidam e os homens desaparecem – que o diga Preta Gil, que enfrenta um câncer enquanto o marido exibe o corpão, muitas vezes na companhia de outras mulheres.
A verdade é que é fácil amar o outro quando ele está na crista da onda, vendendo saúde, bonito e disposto, vivo e cheio de graça. Na doença, qualquer amor é posto à prova – e o de Roberto nunca foi reprovado.
Mais difícil ainda é que uma mulher seja amada e cuidada na doença. A taxa de abandono de mulheres com câncer é de inacreditáveis 20,8%, contra 3% dos homens. Isso sem falar, é claro, nas outras doenças físicas e mentais. Significa dizer que o amor de parte dos homens simplesmente não suporta tempos difíceis.
Eu não estou aqui para enaltecer Roberto de Carvalho por ter cuidado da mulher que escolheu e com quem constituiu uma família: isso se chama decência.
Mas estou aqui para celebrar esse amor tão raro e inspirador.
“Histórias de amor não duram mais que noventa minutos”, diz o título de um filme nacional quase sem importância diante da grandiosidade de Rita Lee – mas o casal mais lindo da história da música nacional muito certamente discordaria com graça.