Involuntariamente, o jornalista Willian Correa, âncora do Jornal da Cultura, produziu um dos vídeos mais reveladores sobre o jornalismo brasileiro destes tempos. (Kiko Nogueira falou disso aqui.)
Ao longo de sete minutos, ele retratou a festa brega que se seguiu ao Roda Viva com Temer, gravado no Alvorada e que foi ao ar ontem.
Estavam ali Temer, é claro, autoridades da Cultura e as estrelas da noite — os jornalistas que compuseram a bancada, de Eliane Cantanhede a Sérgio Dávila, e por aí vai. Dávila diz uma frase de grande originalidade: o melhor detergente para a sociedade é a transparência. Não entendi a relação entre transparência e Roda Viva, mas deve ter sido um problema meu.
Eliane em seguida se aproxima da câmara e conta, em tom de segredo, que Temer está escrevendo um romance. “E ele é bom de romance”, sussurra. Eliane deve estar esperando ansiosamente seu exemplar gratuito do livro em construção.
Correa foi extremamente efusivo com os jornalistas — mas ninguém foi tão louvado por ele como ele próprio. Sempre que falou na força da bancada, ele fez questão de se referir a si próprio entre os titãs. “Grandes figuras perguntando, uma grande figura respondendo”: cita alguns e, sem nenhuma cerimônia, se coloca entre as “grandes figuras perguntando”.
O vídeo vale pelos detalhes. Merece ser visto uma, duas, várias vezes para que você não os perca.
O melhor deles foi um em que Correa pega pelo braço Temer. E diz que queria mostrar que Temer é gente como a gente. Deus, ele parecia estar falando de Churchill, ou de Gaulle, ou de Getúlio Vargas, e não de um presidente extremamente impopular.
A melhor maneira de Temer mostrar que é gente como é gente não é pelas mãos de Correa. É apresentando-se ao povo, em vez de fugir como tem feito até agora.
O melhor estava por vir. Temer agradece por mais essa “propaganda”. Pro-pa-gan-da. O Roda Viva foi chamado de propaganda.
Não poderia haver descrição melhor do que esta, mas daí a admitir é uma longa jornada. Temer não parece ter noção do que seja jornalismo e do que seja propaganda, e com certeza os jornalistas presentes não o ajudaram entender a diferença.
Temer ri, sem se dar conta do disparate — e do insulto aos entrevistadores. Correa segue-o na risada solta e tola, também alheio, aparentemente, à força destrutiva da palavra “propaganda”.
O fecho da cena é um primor. Alguém não identificado, ao lado de Temer, dá uma gargalhada gutural, que deve ter sido ouvida por toda Brasília.
É a célebre risada ao adulador. Ele gargalha como se Temer fosse Mr Bean num grande momento de humor. Você reconhece este tipo de reação em vários ambientes. No mundo corporativo, é um clássico. As pessoas riem de qualquer coisa que o presidente diga — mesmo quando não se trata de piada. Na dúvida, riem.
É um mundo à parte aquele. O presidente da Cultura, Marcos Mendonça, elogia a entrevista. “Toda a mídia” estava ali representada.
Toda?
E a mídia de esquerda, com seus milhões de leitores?
Mas até entendo. Você não pode esperar que a combativa mídia de esquerda compareça a um programa para fazer propaganda de Temer.
Um internauta definiu tudo num comentário ao final do vídeo. “A que ponto chegou o nosso jornalismo …”
Pois é.