O jornalista norueguês Peter Svaar, da emissora NRK, levou um susto ao ver as fotos do homem que matara tanta gente na Noruega numa ação terrorista dupla – primeiro uma bomba em Oslo, depois uma metralhadora disparada por uma hora e meia contra jovens acompados na ilha de Utoya. O jornalista reconheceu, ali, um colega de escola. Svaar escreveu um relato que está hoje percorrendo o mundo. Achei-o no site da BBC, onde era na manhã de sábado a notícia mais lida. Traduzi-o na raça, e compartilho-o aqui:
Foi o meu último dia de trabalho antes das férias de verão, e eu estava planejando sair da redação mais cedo.
Nuvens de fumaça preta subiram do ministério do comércio, e na rua havia vários mortos e feridos.
Enquanto estávamos lá, ouvimos notícias sobre um tiroteio no acampamento de verão do Partido Trabalhista em Utoeya. A primeira vez que ouvi pensei que fosse um rumor, mas não era.
Às 10 horas daquela noite eu finalmente fui para casa, a pé, visto que todo o centro de Oslo tinha sido lacrado pela polícia.
A apenas um quarteirão do meu apartamento havia vitrines quebradas e um silêncio estranho e fantasmagórico. De volta para casa, recebi uma mensagem de um amigo.
“Esse é o cara. O cara que eles prenderam no acampamento de verão”, disse o amigo em questão.
Havia um link, para uma página de Facebook. Três a quatro fotos, profissionalmente realizadas em algum estúdio. Quase como um kit de imprensa.
Eram fotos de um cara que eu conhecia.
Fotos de um rapaz cujo nome muita gente não vai nem falar mais, para não contribuir para a sua fama.
Anders Behring Breivik foi um amigo meu. Ele foi meu colega durante quatro anos.
Nós fizemos a mesma escola secundária, e crescemos no mesmo lado de Oslo.
Eu o vi na maioria dos dias durante esses anos. Nós fomos a excursões da escola juntos e, ocasionalmente, nos víamos nos fins de semana.
No começo eu realmente não podia acreditar que era verdade.
Ele realmente foi o agressor de cabelos loiros na Utoeya, o cara que acabou de matar tantas pessoas jovens? O homem que brincou com eles, dizendo-lhes que estavam a salvo, incitando-os a se aproximarem – antes de matá-los, sem rodeios, com uma metralhadora?
Sim. Foi meu amigo, meu colega de escola, que fez isso.
Ele era um homem não muito diferente de mim. Nós éramos da mesma idade, fomos para as mesmas escolas. Nenhum de nós teve dificuldades materiais ou foi vítima de qualquer injustiça social neste país em que a política de bem-estar social é tão ampla.
Claro, eu nunca passei anos na frente do meu computador pesquisando receitas de bombas ou buscando sites extrema-direita. E, acima de tudo, nunca senti o tipo de raiva ou ódio que ele deve ter sentido dentro de si.
Ainda não consigo entender a origem de todo o ódio. A maioria das pessoas pensam dele como um monstro agora. Ainda me lembro do seu sorriso e das suas piadas.
Eu me lembro de como Anders, às vezes, vinha até você por trás e, brincando, gritava “Kra!” em seu ouvido – apenas para dar um susto amigável.
Era a sua saudação no pátio da escola na época.
Também me lembro de sua fixação com levantamento de peso e hip-hop, e de como ele sempre se vestia sempre muito bem. No final do tempo que passamos juntos na escola, eu sabia que ele estava tomando esteróides para crescerem mais músculos. Mas ele não era o que se pode chamar de solitário, ou uma pessoa com quem você não podia sair.
Basicamente, ele não foi muito fora do comum. Infelizmente, não acho que ele é louco – ao contrário, ele é frio, inteligente e calculista
Nossos caminhos quase cruzaram, não apenas uma, mas duas vezes na semana passada.
A primeira vez foi no centro de Oslo, onde eu presumo que ele esteve alguns minutos ou talvez uma hora antes de eu chegar – ele desencadeando a bomba, e eu aparecendo ali um pouco mais tarde para fazer uma reportagem sobre isso.
Nossos caminhos quase se cruzaram em Utoeya. Eu também estava lá, só que desta vez um dia antes dele. Na manhã de quinta-feira, a véspera do ataque, esperei pacientemente a balsa para levar-nos com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jonas Gahr Store, que estava indo lá para fazer um discurso.
Conhecido simplesmente como Jonas na ilha, ele chegou em sua Mercedes preta, sozinho, sem seguranças, sem assistentes, sem secretário de imprensa, nada. Eram apenas ele e seu motorista, que ficou com o carro. Jonas estava vestido casualmente com jeans e uma camiseta, e começou uma conversa descompromissada sobre a curta viagem de balsa.
Quando chegamos à ilha, sentei-me na grama em frente a uma cabana de madeira vermelha, e com várias centenas de jovens acompados ali ouvi o ministro, Gahr Store, fazer um breve discurso sobre a crise da fome no leste da África e as perspectivas de um Estado palestino.
Depois, ele vestiu um uniforme de futebol e foi jogar uma partida – que sua equipe perdeu. Muitos dos outros jogadores agora estão mortos. E várias dezenas de pessoas que estavam torcendo estão mortas, também.
Anders atirava não apenas uma, mas duas vezes, para ter certeza. Garotos. Eu me lembro de seus rostos. Eu não sei o que levou Anders a fazer isso. Mas não acho que ele é louco. Eu teria criado uma distância confortável entre nós, se achasse que ele era. O que li em seu manifesto na internet não sugere também que ele fosse louco.
O Anders que eu sconhecia que não era um monstro.
E como diz o ditado, ele não era uma ilha. Ele foi um produto da nossa sociedade. Ele foi um de nós.